Confira artigo do advogado Thomas Law, pós-doutorando da USP
Em abril de 2022, o Observatório do Clima destacou os 21 recados fundamentais do novo relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). Um deles traz um fato bastante preocupante: “o gás carbônico já emitido até hoje corresponde a 80% de tudo o que a humanidade pode emitir se quiser ter uma chance de 50% ou mais de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5ºC, como preconizado pelo Acordo de Paris”.
Sendo assim, a preservação ambiental não é um assunto que compete apenas a governos ou entidades específicas: se estamos todos envolvidos enquanto cidadãos, uma vez que produzimos e consumimos produtos que geram tais emissões, temos que contribuir para diminuir ou compensar os impactos negativos. E como trazer o tema para a realidade de construir cidades inteligentes?
Combinando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 9, 11, 13 e 17 da Agenda 2030 da ONU, é possível afirmar que para a implementação das cidades inteligentes e sustentáveis é necessário parcerias estratégicas no campo empresarial que siga os alinhamentos “ESG”. O “ESG” (acrônimo em inglês de environment, social e governance) consiste em pautas que agrupam preocupações ambientais, sociais e de governança, estabelecendo pilares para definir a sustentabilidade empresarial. Importante destacar que o tema ESG atinge a todos no mercado (gestores, investidores, empresas e sociedade) e tende a se eternizar nesta nova fase do capitalismo. Se os movimentos econômicos não buscarem um equilíbrio e o respeito para com os direitos humanos, da biodiversidade, questões sociais, dentre outras, aumentará exponencialmente os riscos de adversidades climáticas, sanitárias e até mesmo de ordem institucional comprometedoras do sistema.
Por sua vez, conforme o Projeto de Lei nº976/2021 que institui a Política Nacional de cidades inteligentes, a definição do conceito de “smart cities” é: espaço urbano orientado para o investimento em capital humano e social, o desenvolvimento econômico sustentável e o uso de tecnologias disponíveis para aprimorar e interconectar os serviços e a infraestrutura das cidades, de modo inclusivo, participativo, transparente e inovador, com foco na elevação da qualidade de vida e do bem-estar dos cidadãos. O artigo 3°, inciso IV, do referido projeto de lei destaca que as cidades inteligentes devem se desenvolver nas seguintes dimensões e respectivos componentes: IV sustentabilidade: a) ambiente natural e sustentabilidade ecológica; b) ambiente construído e infraestrutura da cidade; c) resiliência urbana. Em outras palavras, para que haja cidades inteligentes e sustentáveis é fundamental que os projetos sigam premissas de preservação do meio ambiente, cuidado social e governança.
Especialmente no tocante ao E, do ESG, pensar em uma smart cities é pensar em tecnologias ambientalmente verdes que tornem as cidades melhores, mais eficientes e com menor impacto sobre o meio ambiente. E isso,obviamente, não se faz só com o poder público: é fundamental que todos os entes envolvidos na implementação de uma cidade inteligente tenha como premissa que todas a etapas, tecnologias implementadas e objetivo final do projeto tenha como premissa básica a sustentabilidade ambiental.
Parte da integração de pautas ESG com uma empresa está relacionada com a internalização de fatores externos. Uma organização deve saber quais são os problemas que afligem a comunidade que a cerca e tomar como sua missão de contribuir para sua melhoria ou resolução, visto que a comunidade é parte essencial de sua atuação.
Em Lisboa, capital de Portugal, há locais designados para que moradores possam levar o lixo a ser reciclado e fazer a separação. Contudo, a fim de aumentar a contribuição deles na pauta da reciclagem, visto que as taxas apresentaram baixas devido à pandemia, a Câmara Municipal de Lisboa disponibilizou kits de reciclagem a todos, possibilitando, de fato, a realização da coleta seletiva doméstica. O objetivo dessa medida é incentivar cidadãos a fazer a separação do lixo em casa, dirigindo-se então aos ecopontos designados. Essa simples iniciativa fez com que as taxas de reciclagem na cidade voltassem a aumentar. Ou seja, ela elimina o risco de as pessoas pensarem ou falarem: “Não sei como fazer, não posso, não tenho os meios”.
A Gol Linhas Aéreas é um outro bom exemplo de empresa privada que já trouxe o conceito ESG para o DNA do negócio. Ciente do impacto das emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera que é parte do seu negócio, mesmo sem ainda ter um marco regulatório, incentivou seus passageiros de todos os voos foram a compensarem a pegada de carbono de seus deslocamentos. No transporte terrestre também vemos iniciativas como a da Gol. Líder global, FlixBus, permite que seus pasasgeiros paguem uma taxa extra para compensar o Co2 emitido durante as viagens, além de ter estabelecido parcerias com o governo alemão e entidades para o desenvolvimento de ônibus elétricos mais eficientes e movidos à hidrogênio. Tudo, com o objetivo de reduzir o impacto ambiental do transporte de longa distância na emissão de gases que causam o aquecimento global.
Portanto, entendemos que o ESG e os novos padrões de investimento e consumo são uma realidade nas relações de mercado e a tendência, ao que tudo indica, é que se intensifique nos próximos anos em uma transformação tanto cultural quanto normativa, para que tenhamos uma sociedade que consiga equilibrar qualidade de vida e baixo impacto ambiental. Este tom de responsabilidade para com as próximas gerações não é meramente filosófico, pois as questões climáticas e sanitárias já deram sinais de que a humanidade pode tender a zero se medidas não forem tomadas em escala global. Por isso, o futuro da humanidade são as cidades inteligentes com DNA verde, com poder público, empresas privadas e sociedade civil organizadas a partir da consciência de não há futuro sem o engajamento de todos.
*Thomas Law é advogado, pós-doutorando da USP, doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, membro do ICCA, UIA, IASP e a APECC, Presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China da OAB Federal, Presidente do Instituto Sócio Cultural Brasil e China (Ibrachina) e fundador do hub de inovação Ibrawork – open innovation em SP. Autor do livro, “Lei Geral de Proteção de Dados – uma Análise Comparada ao Novo Modelo Chinês”, publicado pela Editora D´Plácido.