Confira artigo de Alberto Maia, advogado especialista do núcleo de Arbitragem e Contencioso Estratégico de Martorelli Advogados
A indústria de seguros ocupa papel estratégico na arquitetura financeira global e, no Brasil, vem consolidando seu protagonismo com base em inovação regulatória, sofisticação contratual e crescente volume de negócios.
Em um setor marcado por contratos complexos e riscos de alta magnitude, a arbitragem emerge como instrumento essencial de governança, especialmente quando se trata de litígios envolvendo cobertura securitária, cláusulas de risco, resseguro e sub-rogação.
As disputas oriundas de contratos de seguro e resseguro, como é amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, envolvem direitos patrimoniais disponíveis — requisito básico para sua solução por arbitragem.
Questões como negativa de cobertura, aplicação de franquias, definição de eventos cobertos e repartição de responsabilidades entre seguradoras demandam interpretação técnica e sensível à lógica econômica do setor, o que torna a arbitragem especialmente atraente. Tomemos, por exemplo, um sinistro ambiental decorrente de vazamento químico em uma planta industrial segurada: pode-se discutir se o evento se enquadra como “acidente súbito” ou como “poluição gradativa” – distinção que afeta diretamente a cobertura contratual e os limites de indenização.
Em contratos com múltiplas apólices em regime de cosseguro ou resseguro, surgem debates sofisticados sobre o alcance das obrigações da seguradora líder, a ordem de responsabilidade entre os garantidores, ou a incidência de cláusulas de franquia agregada.
Há ainda casos envolvendo produtos de seguros cibernéticos ou de responsabilidade civil profissional, nos quais a delimitação temporal do evento e a causalidade técnica influenciam substancialmente o dever de indenizar. Situações assim exigem decisões rápidas e tecnicamente embasadas, que dificilmente seriam obtidas com a mesma eficiência e especialização no Judiciário, justificando a crescente preferência pela arbitragem nesse segmento.
A utilização da arbitragem também se alinha à racionalidade econômica do mercado segurador e ressegurador.
Contratos de grande risco, envolvendo ativos estratégicos, infraestrutura, energia, transporte marítimo e aviação civil, têm adotado sistematicamente cláusulas compromissórias como forma de garantir previsibilidade, neutralidade e sigilo — atributos fundamentais para investidores institucionais, resseguradoras internacionais e conglomerados financeiros que operam globalmente.
Em um ambiente regulado e exposto à volatilidade econômica, a arbitragem oferece um ambiente estável para a resolução de conflitos, reduzindo o custo do capital e aumentando a confiança dos agentes no enforcement contratual.
No entanto, desafios relevantes ainda marcam a aplicação da arbitragem no setor. Um ponto sensível diz respeito à extensão dos efeitos da cláusula compromissória, sobretudo em contextos de cosseguro e resseguro, nos quais diferentes partes se vinculam à cadeia contratual por vias distintas.
O caso Aracruz Celulose v. Alstom, julgado pelo STJ, exemplifica a controvérsia: embora a seguradora tivesse se sub-rogado legalmente nos direitos da segurada, não se entendeu haver adesão automática à convenção de arbitragem firmada pela parte original. Esse precedente reforça a necessidade de redobrada atenção quanto à arquitetura jurídica dos contratos, especialmente quando há múltiplos garantidores, retrocessores e agentes correlacionados.
O legislador buscou enfrentar tais entraves com a promulgação da Lei nº 15.040/2025, que representa um marco na consolidação da arbitragem securitária no Brasil.
O art. 35 estabelece um modelo de representação processual unificada pela cosseguradora líder no tribunal arbitral, conferindo racionalidade à condução dos litígios e evitando decisões fragmentadas em face de sinistros complexos. Já o art. 129 reconhece expressamente a legitimidade da arbitragem e de outros meios adequados de resolução de disputas, consolidando o que já era prática corrente no mercado de resseguros e contratos internacionais.
Contudo, as inovações legais não estão isentas de críticas. E francamente andou mal o legislador com alguns limitações.
O mais grave dos equívocos foi condicionar a validade da convenção arbitral à sede brasileira e à aplicação exclusiva do direito nacional, o legislador adota postura protecionista e territorialista, que contraria o §1º do art. 2º da própria Lei de Arbitragem, que garante liberdade às partes para definir a sede e o direito aplicável.
Essa restrição pode comprometer a internacionalização do setor, afastando players que exigem liberdade contratual compatível com padrões do direito comparado, como os modelos inglês e francês, reconhecidos por sua flexibilidade e eficiência.
Em um momento em que o Brasil busca ampliar sua inserção nos mercados financeiros globais e diversificar suas fontes de investimento, a arbitragem se apresenta como ferramenta institucional de competitividade.
Além de reduzir o custo de resolução de conflitos, sua adoção em contratos de seguro e resseguro aumenta a atratividade do país perante investidores estrangeiros, melhora o rating de segurança jurídica do ambiente regulatório e contribui para a sofisticação do sistema financeiro como um todo.
A institucionalização da arbitragem como meio preferencial para o setor securitário, portanto, não é apenas uma escolha técnica, mas um passo necessário para modernizar, integrar e expandir o mercado brasileiro de seguros, cujos desdobramentos afetam diretamente o financiamento de grandes obras, a gestão de riscos catastróficos, o agronegócio e a infraestrutura nacional.
O desafio agora é garantir que os instrumentos legais recém-criados sejam interpretados com equilíbrio, de modo a preservar a autonomia privada sem abrir mão da proteção do interesse público.