Para psiquiatra, tanto quem sofre quanto quem pratica o bullying devem ser tratados
Segundo a Associação SOS Bullying, “bullying é qualquer forma de agressão física ou psicológica, xingamento, violência, ameaça ou exclusão feita por uma pessoa ou um grupo contra outra pessoa”. O bullying é uma prática criminosa, tipificada em lei, a 14.811/24, e é uma questão limitada ao ambiente escolar, clubes ou grêmios recreativos. Quando acontece na internet, é cyberbullying:
“Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:
Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:
Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave”.
Apesar de ser crime, a prática é recorrente e muitas vezes confundida com simples brincadeiras. E existem dois principais envolvidos nessa questão: quem pratica o bullying e quem sofre o bullying. “Eles igualmente precisam de tratamento, porque essa questão pode acarretar problemas para a vida toda”, explica o Dr. Pérsio de Deus, psiquiatra que tem 40 anos de experiência no tratamento dos mais variados distúrbios psíquicos.
O médico costuma explicar a prática do bullying exatamente sob os dois pontos de vista: o do tratamento de quem sofre o bullying e de quem pratica o ato.
A vítima do bullying
Dr. Pérsio de Deus explica que uma brincadeira acontece quando todos se divertem. “Se incomoda, há humilhação ou violência, é bullying. E precisa ser denunciado na primeira prática, porque só piorará. Não dá para esperar se resolver sozinho”, diz o médico.
Quem sofre bullying precisa descobrir seus potenciais, segundo o médico. “A questão principal é se afirmar em outras áreas e ver como é capaz. Praticar esportes, artes marciais, participar de um grupo de teatro para vencer a timidez, o importante é buscar algo que o ajude a perceber seus potenciais”, aconselha.
O próximo passo é diminuir o significado da dor e do sofrimento, dissociando-se dos fatos. “Isso é conquistado com a psicoterapia, que mostrará a quem sofreu bullying que o motivo utilizado pelos agressores é secundário em sua vida e que ele pode se livrar dessas consequências negativas”, explica o médico.
Por fim, quem sofre bullying e tem um bom tratamento corre menos riscos de desenvolver depressão e de, também, oprimir outras pessoas, futuramente. “Há casos em que o oprimido vira opressor por um ato de defesa – e ninguém quer isso”.
O agressor – individual e grupo
Segundo o Dr. Pérsio de Deus, são vários os motivos que levam um pessoa praticar bullying contra a outra: demonstração de poder, tendência à impulsividade, ter sido ou ser vítima de violência ou maus tratos, necessidade se se destacar perante o grupo, prevalência ou descontrole dos instintos agressivos, tendências à psicopatia ou sociopatia e repetição de um comportamento que vive na própria casa em que reside. “Existem interpretações diversas para essa agressão, que deve ser feita caso a caso. Quando o bullying é realizado de forma individual, sempre se valendo da força ou do poder por parte de quem faz o bullying, pode ser um aviso: ‘cuidado comigo, você tem que se submeter a mim, eu mando em você’. Atrás desse ato pode se esconder um medroso ou fraco, que se sente ameaçado e, por isso, encontra alguém para ameaçar”, explica o médico.
Já na prática em grupo, é bastante utilizada a ferramenta da humilhação, da gozação, quando se tenta mostrar a inferioridade do outro. “Existe a necessidade ou de se afirmar perante o próprio grupo, provocando o medo. Quem age em grupo busca apoio para se sentir mais forte”, explica.
Muitas vezes, pais e familiares não acreditam que seus filhos sejam capazes de praticar bullying, dificultando a cessão do ato e o tratamento do agressor. “Quando os responsáveis são convocados a uma reunião, eles são capazes de acusar o agredido e proteger seus filhos, porque ninguém quer ter um ente querido na posição de agressor. Isso só deixa a situação pior”, enfatiza o especialista.
A idealização dos pais sobre os filhos acontece, muitas vezes, porque os próprios pais praticam o bullying em casa – e seus filhos estão apenas replicando o gesto. “Alguns pais identificam o comportamento dos filhos e sabem que é o mesmo que eles fazem – mas acham aquilo normal. Outros nem sequer percebem que é um erro, mas precisam ser alertados pela escola. E todos devem saber que existe tratamento”.
Como agir e tratar?
Dr. Pérsio de Deus diz que existem algumas ferramentas terapêuticas disponíveis, conforme a gravidade dos casos: medicamentosas, psicoterápicas, com a inclusão de esportes, acesso a artes e trabalho voluntário, por exemplo. “Cada caso e nível de agressividade demandarão a combinação de tratamentos, mas todos os agressores precisam ser tratados”, aconselha. “Dependendo da intensidade e violência do bullying e da idade em que foi realizado, as marcas sem um tratamento muito eficaz podem perdurar por toda a vida”.
Sobre o Dr. Pérsio de Deus, psiquiatra
Formado em Medicina pela Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, com Residência Médica em Psiquiatria e título de Especialista em Psiquiatria pela APM – Associação Paulista de Medicina, Mestrado pela Universidade Mackenzie e Pós-Graduação em Neurociências na PUC – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, o Dr. Pérsio de Deus tem 40 anos de experiência no tratamento dos mais variados distúrbios psíquicos, como depressão, ansiedade e dependência química.
Até 2023, atuou no serviço médico do Instituto Presbiteriano Mackenzie, atendendo funcionários e alunos com foco na prevenção ao suicídio e inclusão. Paralelamente, consolidou sua clínica ao tratar pacientes com as mais variadas patologias com abordagem humanizada e atendimento contínuo.
Foi Diretor-técnico de Saúde do Hospital da Água Funda, onde criou e dirigiu o PAD – Programa de Álcool e Drogas. Também foi Diretor-médico do CAIMS IV (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental), na Água Funda, capital paulista; Coordenador da Divisão de Prevenção e Educação (Dipe) do Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc).
Atualmente, além de atividades clínicas, em consultório, é Médico-assistente do hospital Nossa Senhora de Fátima, na capital paulista.
Dr. Pérsio de Deus também é palestrante e autor dos livros Psicologia Social da Conversão Religiosa (Editora Reflexão, 2013) e Eclipse da Alma (Fonte Editorial, 2010).