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Audiência na Câmara debate papel estratégico do setor de seguros diante das mudanças climáticas

Audiência na Câmara debate papel estratégico do setor de seguros diante das mudanças climáticas / Reprodução / TV Câmara
Reprodução / TV Câmara

Em um momento em que o Brasil enfrenta perdas bilionárias causadas por eventos extremos, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados realizou, nesta terça-feira (26), uma audiência pública para discutir o papel do setor de seguros frente aos impactos das mudanças climáticas.

Convocada pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), a reunião reuniu representantes de órgãos públicos, entidades reguladoras e lideranças empresariais do setor segurador, que apresentaram análises, propostas e críticas sobre como o Brasil pode se preparar para um cenário climático cada vez mais desafiador.

Emergência climática e justiça social

O primeiro expositor, Aloisio Lopes, secretário nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, destacou que o país vive um estado permanente de emergência climática. Ele reforçou que ondas de calor, chuvas extremas e estiagens prolongadas já alteram o cotidiano de comunidades e setores econômicos.

Segundo Lopes, a função estratégica do mercado segurador é traduzir esse novo perfil de riscos em variáveis objetivas, capazes de orientar tanto políticas públicas quanto a criação de novos produtos e coberturas. Ele defendeu, ainda, a necessidade de tornar o seguro acessível às populações mais vulneráveis, que hoje dependem apenas de repasses emergenciais de recursos públicos após catástrofes. “O seguro precisa ser instrumento não apenas de recomposição de perdas, mas também de justiça climática, garantindo que famílias pobres, mais expostas e desprotegidas, tenham condições de se recuperar após desastres”, apontou.

Fazenda anuncia aprovação da Taxonomia Sustentável

A subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Fróes, trouxe à audiência uma novidade: a aprovação dos cadernos da primeira edição da Taxonomia Sustentável Brasileira, documento técnico que será publicado em breve.

Com mais de 800 páginas de critérios e salvaguardas, o instrumento estabelece parâmetros claros para definir quais atividades econômicas podem ser consideradas sustentáveis. A taxonomia servirá de referência para órgãos reguladores, mercado financeiro e seguradoras, influenciando desde a precificação de apólices até o acesso a linhas de financiamento.

“Não há desenvolvimento sustentável sem clareza metodológica. A taxonomia trará padronização, segurança e transparência, permitindo que os investimentos privados e públicos realmente apoiem a transição ecológica”, disse Fróes.

Ela também mencionou a preparação do governo para implementar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, ressaltando que as reservas técnicas das seguradoras poderão ter papel relevante no financiamento de créditos de carbono, caso a legislação em discussão seja consolidada.

Susep cria grupo de trabalho para Seguro Catástrofe

O superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, defendeu que a audiência marca um “momento de pensar grande” para o país. Ele anunciou a criação de um grupo de trabalho dedicado ao desenvolvimento do ecossistema do Seguro Catástrofe no Brasil, com prazo definido para apresentar propostas regulatórias e legislativas.

Octaviani destacou o desequilíbrio atual entre perdas e indenizações. Citou o caso do Rio Grande do Sul, que em 2024 registrou R$ 100 bilhões em prejuízos, enquanto o setor segurador indenizou R$ 6 bilhões. “Esse abismo mostra o gap securitário brasileiro. Precisamos ampliar drasticamente a penetração do seguro, em especial na agricultura e no patrimônio das famílias”, alertou.

Ele também ressaltou o papel do setor como investidor institucional, lembrando que reservas técnicas representam cerca de 17% do PIB. “Com regulação cuidadosa, podemos direcionar parte desse capital para projetos de baixo carbono, inovação tecnológica e infraestrutura resiliente”, disse.

O setor ressegurador defende parcerias público-privadas

Na sequência, João Rabelo, diretor do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), apresentou dados do Atlas Digital de Desastres, que apontam crescimento expressivo dos eventos hidrológicos – enchentes, enxurradas e deslizamentos – no país.

Rabelo defendeu a criação de modelos de parcerias público-privadas (PPPs) que permitam ampliar a cobertura securitária e reduzir a dependência de recursos emergenciais da União. Trouxe exemplos internacionais, como o modelo francês, no qual parte do prêmio do seguro residencial é obrigatoriamente destinada a um ressegurador público, e o caso do Japão, que utiliza a estrutura das seguradoras privadas para operacionalizar a proteção contra terremotos com retrocessão ao Estado.

“Não existe transferência de risco sem conhecimento. É urgente sistematizar dados climáticos e criar bases confiáveis para precificação. Só assim conseguiremos ampliar a proteção e reduzir os vazios securitários”, afirmou.

Setor segurador aponta desafios práticos

Representando a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), o presidente Dyogo Oliveira destacou que o setor de seguros tem sido o primeiro a sentir os efeitos das mudanças climáticas, uma vez que cada evento extremo rapidamente se traduz em indenizações e custos crescentes.

Ele citou que, entre 2013 e 2024, 94% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade ao menos uma vez, evidenciando a dimensão do problema. Oliveira ressaltou que o Brasil possui um grande déficit de proteção, com a maioria da população e da infraestrutura pública ainda desprovidas de cobertura.

Para enfrentar esse desafio, defendeu maior estímulo ao seguro rural e a criação de mecanismos de proteção social para famílias de baixa renda afetadas por catástrofes. Também indicou a necessidade de ampliar investimentos em green bonds e instrumentos financeiros seguros, como alternativa ao uso compulsório das reservas técnicas das seguradoras em créditos de carbono, tema que ainda gera controvérsia no setor.

Mercado internacional e percepções de risco

Encerrando as exposições, Pedro Farme d’Amoed, CEO da Guy Carpenter Brasil, chamou atenção para o atraso brasileiro em relação à média global na cobertura contra catástrofes.

Segundo ele, enquanto a média mundial é de 60% de perdas não seguradas, no Brasil esse número chega a 94%, “quase o dobro da média latino-americana”.

D’Amoed apresentou um modelo probabilístico lançado recentemente no país para mensurar riscos de alagamento, já adotado por mais de 20 seguradoras. O estudo aponta que, com um aquecimento global de 2°C, eventos extremos em cidades como São Paulo e Curitiba poderiam se intensificar em até 80%.

“O Brasil já está inserido na geografia global dos desastres climáticos. Ou ampliamos a proteção securitária, ou veremos impactos recorrentes no PIB, nos investimentos e na vida da população”, advertiu.

Pontos de convergência

Apesar das diferentes perspectivas, os especialistas convergiram em alguns pontos:

  • A urgência de ampliar o acesso ao seguro, especialmente para agricultores e famílias vulneráveis;

  • A necessidade de parcerias público-privadas e novos modelos regulatórios para viabilizar o seguro catástrofe;

  • A importância da integração de bases de dados climáticos e da inovação tecnológica na precificação de riscos;

  • O papel estratégico do setor segurador e ressegurador como indutores de investimentos sustentáveis.

A audiência também abriu espaço para manifestações de especialistas convidados e de representantes do Executivo, que reforçaram a necessidade de rever cláusulas de concessões públicas e integrar a lógica securitária à defesa civil e ao orçamento.

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