Pesquisa mostra que 57% dos cuidadores têm dificuldade em lidar com momentos de desorganização emocional de crianças autistas
Cuidar de uma criança com autismo exige atenção redobrada em situações de sobrecarga emocional, popularmente conhecidas como “crises” ou meltdowns. Nesses momentos, a criança pode apresentar comportamentos intensos como gritos, choro incontrolável, se jogar no chão ou até se autoagredir. Ao contrário do que muitos pensam, essas crises não são birra ou manipulação, mas sim uma resposta involuntária do corpo diante de estímulos que ultrapassam sua capacidade de autorregulação.
Segundo a pesquisa Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil, realizada pela Genial Care, 57% dos cuidadores de crianças autistas relatam dificuldade em saber como agir diante desses episódios.
“O primeiro passo é mudar o olhar. Essas crises não indicam desobediência ou manipulação, mas sim um corpo em sofrimento, que não conseguiu lidar com determinada situação. Quando ajudamos a família a compreender isso, abrimos espaço para estratégias de cuidado mais empáticas e eficazes”, afirma a Vice-Presidente Clínica da Genial Care, rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias, Thalita Possmoser.
Crise não é birra: entenda a diferença
Uma das confusões mais comuns é associar essas crises à birra, comportamento que costuma ter um objetivo específico ou algum grau de controle por parte da criança. No caso do autismo, a crise é um sinal de que o corpo e a mente estão sobrecarregados.
Esses episódios podem ser desencadeados por uma série de fatores, como sobrecarga sensorial (barulhos altos, luzes fortes, cheiros intensos), quebras de rotina, dificuldades de comunicação e até acúmulo de pequenas frustrações ao longo do dia.
“Essa interpretação de que a criança está sendo desafiadora ou manipuladora é equivocada. Se ela pudesse fazer diferente, faria. Esses comportamentos são formas de comunicação de desconforto, frustração e sobrecarga, seja ela emocional ou sensorial”, complementa Possmoser.
O que pode desencadear uma crise?
Segundo a especialista, os gatilhos mais comuns incluem:
- Sobrecarga sensorial, como excesso de barulho ou luz;
- Mudanças bruscas de rotina, que podem gerar ansiedade;
- Dificuldades de comunicação, dificultando a expressão de necessidades;
- Falta de compreensão do ambiente, gerando insegurança ou sensação de desamparo.
5 dicas para lidar com uma crise no autismo
A boa notícia é que existem estratégias simples que ajudam a reduzir o impacto desses episódios. A especialista Thalita Possmoser lista cinco orientações essenciais para cuidadores:
1) Mantenha a calma
A criança em crise está desregulada e busca, ainda que inconscientemente, segurança. A forma como o cuidador reage pode aumentar ou reduzir a intensidade da crise. “O estado emocional de quem está por perto influencia diretamente na regulação da criança. Respire fundo e procure manter um tom de voz baixo e estável”, orienta.
2) Garanta um ambiente seguro
Sempre que possível, retire objetos que possam causar risco ou leve a criança para um espaço tranquilo e conhecido. A segurança física deve ser prioridade nesse momento.
3) Use uma comunicação simples e direta
Evite instruções longas ou complexas. Frases curtas, pausadas e claras facilitam a compreensão. Muitas crianças precisam de tempo para processar as informações, principalmente durante crises.
4) Demonstre apoio e compreensão
Acolher sem julgar é fundamental. “Esses comportamentos não são escolhas conscientes ou formas de manipulação, mas uma expressão de sobrecarga emocional e sensorial. Mostrar empatia e estar ao lado da criança faz diferença”, afirma.
5) Reduza estímulos
Desligar aparelhos barulhentos, diminuir a luminosidade ou evitar toques desnecessários pode ajudar a reduzir a intensidade da crise e facilitar a recuperação emocional da criança.
Como evitar que a crise aconteça?
Segundo Thalita, algumas estratégias simples ajudam a reduzir a frequência desses episódios. “Dar previsibilidade à rotina da criança, por meio de quadros visuais ou avisos prévios sobre mudanças, pode diminuir a ansiedade causada por imprevistos. Respeitar os limites sensoriais também é essencial, evitando ambientes com excesso de estímulos sempre que possível”, explica.
Além disso, incluir pausas de qualidade ao longo do dia contribui para que a criança não se sobrecarregue. Por fim, buscar apoio profissional, como terapeutas ocupacionais, psicólogos e fonoaudiólogos especializados, pode fazer toda a diferença no desenvolvimento de estratégias individualizadas.
“Acreditamos que compreender essas crises é um passo importante para transformar o cuidado. O objetivo não é impedir a criança de sentir, mas criar ambientes e estratégias que a ajudem a lidar com o excesso de estímulos de forma mais saudável”, finaliza Possmoser.
Comunicação e inclusão são tema de congresso internacional da Genial Care
Muitas crises vividas por crianças autistas estão diretamente ligadas a dificuldades de comunicação e compreensão do ambiente. Para avançar neste desafio, a Genial Care, em parceria com a Revista Autismo e com apoio do Parque da Mônica e do Instituto Mauricio de Sousa, realiza a 3ª edição do Congresso Extraordinário, nos dias 25 e 26 de outubro, em São Paulo, com transmissão ao vivo e online.
Com o tema “Da comunicação à aprendizagem: desmistificando o ensino com autistas”, o congresso reunirá especialistas nacionais e internacionais para discutir estratégias práticas de Comunicação Alternativa Aumentativa (CAA), expressões não verbais e recursos multimodais, fundamentais para promover autonomia e reduzir episódios de desorganização emocional.
A programação inclui painéis sobre tecnologia aplicada à educação inclusiva, oficinas com terapeutas de referência e um estudo de caso inédito sobre o projeto piloto de adaptação cognitiva no Parque da Mônica e Estúdio da Mauricio de Sousa Produções“Sem comunicação acessível, não existe aprendizagem possível. Este congresso traz ferramentas para o dia a dia de educadores, terapeutas e famílias”, afirma Graziella Bonfim, psicóloga da Genial Care e responsável pela curadoria o Congresso
O evento oferece ingresso social, que permite a participação presencial mediante doação de um brinquedo ou livro infantil, reforçando o compromisso com impacto social e inclusão.