Temas foram debates centrais do evento realizado em Florianópolis pela UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde
O setor de autogestão de saúde no Brasil vive um momento de reinvenção. Enquanto a inteligência artificial (IA) desponta como aliada estratégica, o ambiente regulatório continua a pressionar a sustentabilidade do modelo.
Essa foi a principal pauta que norteou o 27º Congresso Internacional UNIDAS, realizado entre 27 e 29 de novembro, no CentroSul Florianópolis, na capital catarinense. O evento reuniu os maiores nomes da saúde suplementar em discussões em torno dos principais desafios atuais e futuros das autogestões.
Com o tema “Inovação Impulsionando o Propósito das Autogestões”, o evento contou com recorde de participação – mais de 2 mil inscritos presencialmente, 53 palestrantes nacionais e internacionais, 6 workshops, quatro palcos simultâneos e mais de 30 horas de conteúdo voltado para gestores de planos de saúde de autogestão, líderes da saúde suplementar e especialistas do setor. Confira as principais discussões dos três dias de evento.
A inovação nos modelos de autogestão, tecnologias disruptivas na saúde suplementar e sustentabilidade financeira com eficiência operacional e os impactos na regulamentação foram temas que levantaram debates profundos e experiências enriquecedoras para os participantes.
Entre avanços e pressões, regulação segue no radar
Com raízes nos anos 1970, quando empresas começaram a administrar diretamente a assistência médica de seus colaboradores, as autogestões enfrentam hoje desafios significativos em meio a transformações tecnológicas e regulatórias.
Desde a promulgação da Lei nº 9.656/98, que inseriu as autogestões no marco regulatório da saúde suplementar, muitas mudanças ocorreram. Normas como a RN nº 137/2006, que definiu regras prudenciais mínimas e parâmetros de governança, buscaram garantir transparência e solidez financeira. Contudo, aspectos como o envelhecimento populacional, aumento das doenças crônicas e custos assistenciais crescentes colocam em xeque a viabilidade de muitas autogestões.
“Hoje, apenas 5% das autogestões possuem mais de 100 mil beneficiários, e a maior parte enfrenta desafios como alta sinistralidade e resultados financeiros negativos”, apontou Alfredo Cardoso, especialista em Regulação de Mercados e Gestão de Saúde durante o painel “Autogestão e o desafio da regulação atual” no 27º Congresso UNIDAS. Ele também ressalta a necessidade de revisitar o conceito de “grupo fechado”, uma das bases do modelo, para torná-lo mais flexível e competitivo.
IA e saúde digital são a nova espinha dorsal do setor
Paralelamente, a inteligência artificial vem emergindo como um divisor de águas para o setor, desempenhando um papel estratégico na transformação das autogestões de saúde suplementar no Brasil. “Lidamos com questões complexas como o aumento dos custos de saúde, passando pela necessidade de personalização dos atendimentos e a busca por maior eficiência operacional das próprias autogestões”, comenta Mário Jorge Vital, presidente eleito da UNIDAS
Especialistas presentes no Congresso discutiram a relevância de se desenvolver ferramentas que utilizem a tecnologia – inteligência artificial, internet das coisas, entre outros exemplos – para buscar soluções para pautas que mexem diretamente com a vida das pessoas.
A boa notícia é que o setor vem evoluindo de forma nítida. Ferramentas de IA já estão sendo aplicadas para otimizar diagnósticos, automatizar processos administrativos e personalizar tratamentos. Viviane Lourenço, consultora de inovação e professora do Hospital Albert Einstein, destacou no painel “Novos Modelos de Gestão de Saúde com IA” que a IA pode transformar modelos reativos em estratégias preditivas, gerando economia e melhorando desfechos clínicos.
Entre as aplicações de destaque estão toda a parte de diagnósticos e personalização (algoritmos de aprendizado de máquina identificam padrões complexos, oferecendo tratamentos sob medida); análise preditiva (Big data combinado com IA permite prever internações e gerenciar melhor populações de risco); automação administrativa (tecnologias como RPA – Automação de Processos Robóticos – ajudam a reduzir custos operacionais em até 25%, segundo a Deloitte).
A transformação digital, no entanto, esbarra na demanda por dados de qualidade e nos desafios de integração entre sistemas de diferentes operadoras, questões que ainda carecem de regulamentação específica, de acordo com o apontamento dos especialistas que participaram dos debates no Congresso UNIDAS.
Meios alternativos para reduzir os impactos da judicialização na saúde
A judicialização da saúde foi uma pauta relevante discutida durante o Congresso, pela influência no equilíbrio econômico das autogestões. Com beneficiários recorrendo ao judiciário para garantir acesso a tratamentos não cobertos pelo rol da ANS, as autogestões têm sofrido impactos financeiros.
Nesse cenário, alternativas como mediação e arbitragem são vistas como caminhos promissores. Diretamente da São Francisco, Califórnia (EUA), Marcus Salvato Quintanilla, advogado, mediador, árbitro e especialista em resolução de conflitos, durante o painel Formas Alternativas de Resolução de Conflitos – Mediação e Arbitragem, propôs o uso de dispute boards – comitês permanentes para resolver disputas de forma ágil e eficiente. “Esse modelo reduz custos e preserva relações, criando soluções que beneficiem tanto operadoras quanto pacientes”, afirmou.
Na esteira da mediação de conflitos, o painel “Autogestão e o desafio da regulação atual” trouxe uma análise histórica da regulamentação do setor, desde a Lei nº 9.656/98 até as recentes mudanças que impactam as autogestões.
Desde a promulgação da lei, as autogestões têm passado por cenários de mudanças regulatórias no setor de saúde suplementar, incluindo o marco histórico do setor. Jorge Aquino, diretor de Normas e Habilitação das Operadoras da ANS, destacou a importância do monitoramento assistencial e das regras prudenciais para garantir a sustentabilidade financeira das operações, alertando sobre os desafios pelos altos custos concentrados no último ano de vida dos cidadãos.
O segmento de autogestão tem desempenhado um papel fundamental na assistência à saúde, oferecendo modelos mutualistas e de alta qualidade para beneficiários. No entanto, enfrenta desafios crescentes, decorrentes de mudanças regulatórias e demandas por modernização, que testam a sustentabilidade e eficiência dessas organizações. “A sobrevivência do modelo depende de inovação e de uma regulação mais adaptada às suas especificidades. As normativas não devem impedir o crescimento das autogestões, o que é papel da ANS de destravar isso”, enfatiza o médico Alfredo Cardoso, especialista em Regulação de Mercados e Gestão de Saúde
O Futuro: adaptação ou estabilidade?
Com um cenário demográfico desafiador e um mercado cada vez mais competitivo, as autogestões precisam evoluir. A introdução da inteligência artificial, combinada com ajustes no marco regulatório e a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, pode pavimentar um caminho para a sustentabilidade.
“Estamos em um momento em que a população está envelhecendo, há o aumento da incidência de doenças crônicas e a falência da regulação baseada em produtos. Por isso, o setor terá de equilibrar tradição e inovação para continuar sendo uma peça-chave no sistema de saúde brasileiro”, comenta Amanda Bassan Alves, gerente executiva da UNIDAS. O desafio é como a regulamentação conseguirá acompanhar a velocidade das mudanças provocadas pela tecnologia.