Depois de projetar o Brasil como referência global em inovação financeira com o Pix e o Open Finance, o Banco Central adotou uma rota mais conservadora no desenvolvimento do Drex, a moeda digital do real. A instituição anunciou que a próxima fase do projeto, prevista para 2026, será lançada sem blockchain, em um modelo centralizado.
A decisão, motivada por entraves nos testes de privacidade e escalabilidade, rompeu com a expectativa de que a moeda seguiria os padrões internacionais de moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) baseadas em tecnologias distribuídas. O anúncio acendeu um debate no setor financeiro e tecnológico sobre os impactos para a segurança, a transparência e o potencial de integração global do sistema.
Para Denise Cinelli, COO Global da CryptoMKT, a mudança mexe justamente no diferencial de uma moeda digital. “O grande valor das CBDCs, quando ancoradas em blockchain, é a transparência, a auditabilidade e a confiança que a tecnologia proporciona”, afirma. Na avaliação dela, sem esses pilares, o Drex corre o risco de se tornar apenas uma versão digitalizada do real, sem avançar na direção da inovação financeira.
O projeto, ao menos inicialmente, será restrito a operações de atacado entre instituições financeiras. A expectativa é que, no futuro, a infraestrutura permita a criação de serviços mais ágeis e acessíveis ao público, como contratos automatizados e tokenização de ativos. Ainda assim, especialistas alertam que a ausência da tecnologia descentralizada pode limitar o potencial de transformação.
Segundo Cinelli, a experiência internacional mostra outro caminho. “O que observamos em outros países é que a adoção de modelos baseados em blockchain fortalece o ecossistema de pagamentos, amplia a competitividade e oferece ao cidadão um nível maior de soberania digital”, avalia.
Entre os riscos apontados, estão a redução da segurança, da auditabilidade e da transparência do sistema. Outro ponto é a possível desmotivação do setor privado, que já vinha investindo em soluções baseadas na arquitetura original do Drex. Também há receio de que o Brasil perca protagonismo nas discussões sobre moedas digitais globais, em um cenário em que diversos países avançam em modelos apoiados por tecnologias de registro distribuído (DLT).
O Banco Central tem reiterado que a moeda digital não substituirá o dinheiro em espécie e que a nova plataforma respeitará tanto a Lei do Sigilo Bancário quanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para o governo, a mudança prioriza segurança e estabilidade, mas a promessa de democratizar o acesso à economia digital permanece no horizonte.
Cinelli avalia, no entanto, que será preciso dar respostas rápidas para garantir a confiança da sociedade. “Mesmo sem blockchain, o Drex precisa demonstrar de forma clara como assegurará privacidade, escalabilidade e confiança. Caso contrário, poderemos perder a oportunidade de liderar na região em inovação financeira”, conclui a executiva.