Estudos apresentados na ESMO oferecem esperança para mulheres sobreviventes ao câncer de mama que sonham em ter filhos; Oncologista comenta cenário e avalia que parte do caminho pode ser de recuperação e renovação para as pacientes
Pesquisas recentes apresentadas no Congresso Anual da Sociedade Europeia de Medicina Oncológica (ESMO), deste ano, trazem boas notícias para mulheres que enfrentaram o câncer de mama e desejam amamentar. Dois estudos independentes demonstram que a amamentação não está associada a um risco maior de recorrência da doença, oferecendo novas esperanças para sobreviventes do câncer que sonham com a maternidade.
O câncer de mama é o tipo mais comum entre mulheres no mundo, somando 2.308.931 dos novos casos detectados em 2022, de acordo com dados do mais recente levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado no início deste ano. A doença foi responsável por 23,8% de todos os 9.658.480 casos identificados pela análise. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) indica que os tumores de mama respondem por cerca de 10% (73.610) dos 704 mil novos diagnósticos de câncer esperados para 2024.
“Dada sua prevalência e incidência crescente entre mulheres em idade fértil – até 45 anos – há uma preocupação constante sobre os riscos de amamentação para pacientes que sobreviveram ao câncer ou aquelas que possuem predisposição genética à doença. Essas novas descobertas, no entanto, revelam que amamentar é uma opção segura, mesmo para aquelas com mutações genéticas associadas ao surgimento de tumores de mama”, analisa Daniel Gimenes, oncologista da Oncoclínicas.
Estudo com mulheres portadoras da mutação BRCA
O primeiro estudo focou em mulheres jovens portadoras da mutação germinativa BRCA, as quais apresentam um risco elevado de desenvolver novos cânceres de mama, inclusive na mama oposta. Para a pesquisa, foram acompanhadas quase 5 mil sobreviventes do câncer de mama, das quais 474 tiveram filhos. Entre essas, quase 25% amamentaram seus bebês, enquanto o restante não o fez, principalmente porque optaram pela mastectomia bilateral profilática para reduzir o risco futuro de câncer.
Após sete anos de acompanhamento, os pesquisadores observaram que não houve diferença significativa nas taxas de recorrência do câncer de mama ou no surgimento de novos tumores entre aquelas que amamentaram e as que não amamentaram. Além disso, a sobrevida livre de doença e a sobrevida global também foram semelhantes entre os dois grupos.
“Isso indica a possibilidade de essas mulheres atingirem um equilíbrio entre as necessidades da mãe e as do bebê”, afirmou a Dra. Eva Blondeaux, oncologista do IRCCS Ospedale Policlinico San Martino, na Itália, que apresentará um dos estudos.
Amamentação em mulheres com câncer de mama precoce
O segundo estudo se expandiu para incluir mulheres com câncer de mama precoce com receptor hormonal positivo, um dos tipos mais comuns da doença. Entre as 518 mulheres analisadas, 317 tiveram pelo menos um filho após o tratamento, e 62% dessas mulheres optaram por amamentar. Novamente, os resultados foram tranquilizadores: não houve aumento significativo no risco de recorrência ou de novos tumores entre as que amamentaram em comparação com as que não o fizeram.
Aos dois anos após o nascimento do primeiro filho, a taxa de recorrência foi de 3,6% para aquelas que amamentaram e de 3,1% para as que não amamentaram. Os pesquisadores concluíram que a amamentação, em si, não interfere na recuperação dessas mulheres.
“Esses resultados são reforçados por estudos anteriores que já haviam mostrado que a gravidez, assim como tratamentos de reprodução assistida, também não aumentam o risco de novos episódios de câncer de mama”, ressalta Daniel Gimenes.
Um alívio para sobreviventes do câncer de mama
De acordo com o oncologista da Oncoclínicas, esses achados são relevantes para melhorar a qualidade de vida das sobreviventes. “É essencial que a ciência e a medicina debatam os aspectos relacionados à vida das mulheres jovens que tiveram câncer de mama em contextos que extrapolam o olhar para a doença exclusivamente”.
Para ele, os resultados apresentados na Esmo 2024 são uma ótima notícia para mulheres jovens que, ao receberem o diagnóstico de câncer de mama, muitas vezes acreditam que seus planos de maternidade estão comprometidos. “O tratamento para câncer de mama tem evoluído de maneira impressionante, garantindo não apenas a cura, mas também a qualidade de vida para mulheres, permitindo que elas vivam plenamente após a doença”, diz Gimenes. “Com esses novos dados, podemos tranquilizar ainda mais as pacientes de que a amamentação é uma escolha segura”.
Os estudos reforçam a confiança de que mulheres que venceram o câncer de mama podem, sim, optar por amamentar seus filhos sem temer um risco elevado de recorrência da doença. Mais do que isso, os resultados ajudam a dissipar mitos e a fornecer uma base científica sólida para a tomada de decisões informadas, proporcionando às sobreviventes a possibilidade de desfrutar plenamente da maternidade e das alegrias que ela pode trazer.
“Cada paciente é única, e suas decisões devem ser sempre tomadas com base em suas condições específicas”, conclui Gimenes. “Mas o que fica claro é que há muita vida e possibilidades para essas mulheres após o câncer de mama, e a amamentação pode ser parte desse caminho de recuperação e renovação”.