Neurocirurgião da Unicamp explica como atitudes em diferentes momentos da vida influenciam a saúde cerebral e podem prevenir até 40% dos casos de demência, segundo estudos
O cérebro humano começa a envelhecer muito antes dos primeiros sinais de demência. Embora essa condição esteja associada à terceira idade, as estratégias mais eficazes para preveni-la devem ser adotadas ao longo de toda a vida.
De acordo com a Comissão Lancet sobre Demência¹, de 2020, cerca de 40% dos casos poderiam ser evitados ou adiados por meio da modificação de 12 fatores de risco – muitos deles presentes desde a infância até a meia-idade, como estímulo cognitivo, cuidados com a saúde cardiovascular, metabólica e mental, hábitos de vida e ambiente externo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência no mundo. A projeção é de que esse número triplique até 2050. O neurocirurgião funcional e pesquisador na Unicamp Dr. Marcelo Valadares, que atua no tratamento de doenças neurodegenerativas, explica que a demência não é um evento repentino e reforça que o cérebro pode ser treinado e protegido ao longo da vida. “O desencadeamento do quadro é resultado de anos de exposição a fatores de risco. O cérebro precisa ser cuidado desde cedo para chegar aos 80 anos ou mais com boa memória e lucidez”, alerta o médico.
Infância e adolescência
A infância compreende o período de maior plasticidade cerebral. Um bom desenvolvimento neurológico depende de nutrição, ambiente afetivo e estímulo à aprendizagem. O baixo nível de escolaridade é o maior fator de risco modificável identificado pela Comissão Lancet. Crianças expostas a estímulos intelectuais, leitura e resolução de problemas tendem a formar uma “reserva cognitiva” maior. “Quanto mais estímulo intelectual e afetivo uma criança recebe, maior será sua capacidade de lidar com lesões e declínios no futuro”, afirma o doutor.
Além disso, alimentação equilibrada e sono de qualidade também são primordiais nessa fase. Um estudo da Harvard Medical School (2021)² adolescentes que dormem mal podem ter alterações em partes do cérebro ligadas à memória e ao raciocínio. Essas mudanças podem diminuir a capacidade do cérebro de se proteger contra perdas com o passar dos anos, o que pode aumentar o risco de demência no futuro.
Vida adulta
Até a faixa dos 60 anos, os principais fatores de risco para demência estão relacionados ao estilo de vida. Comportamentos como o sedentarismo, a alimentação inadequada e o consumo excessivo de álcool ou cigarro se instalam, ao mesmo tempo em que condições como hipertensão, diabetes e obesidade podem surgir ou se agravar sem sintomas perceptíveis, afetando silenciosamente a vitalidade do cérebro.
Obesidade, hipertensão, diabetes e o consumo excessivo de álcool ou cigarro não costumam causar sintomas imediatos no cérebro, mas afetam sua nutrição, a qualidade da circulação sanguínea e o equilíbrio inflamatório do organismo. Essas alterações, quando não controladas, prejudicam a circulação no cérebro, aumentam a inflamação no organismo e aceleram o desgaste de regiões ligadas à memória e à tomada de decisões. “A longo prazo, essas pequenas negligências diárias podem se somar em perdas cognitivas relevantes. Mudanças de hábito no presente podem preservar a autonomia e a clareza mental no futuro”, explica o neurocirurgião.
Ainda nessa fase, a sobrecarga emocional, estresse crônico e a sensação de isolamento afetam diretamente o equilíbrio químico do cérebro. Por isso, preservar vínculos sociais, manter o interesse por aprender coisas novas e buscar formas de movimentar o corpo são atitudes que funcionam como investimento para o envelhecimento. Um estudo publicado na revista Neurology (2023)³ apontou que adultos que se mantêm intelectualmente ativos, com leitura, cursos ou novos aprendizados, têm menor risco de desenvolver demência, mesmo com predisposição genética.
Terceira idade
Mesmo na terceira idade, ainda há muito que pode ser feito para manter a mente ativa e adiar o avanço da demência. O desafio para os idosos é manter a funcionalidade cognitiva e física diante das transformações naturais do envelhecimento.
Manter-se ativo fisicamente, mesmo com limitações, é um dos pilares da prevenção. Além disso, o acompanhamento de quadros como perda auditiva, depressão e doenças cardiovasculares deve ser intensificado. “Ficar isolado, sem propósito ou sem conversa, faz o cérebro envelhecer mais rápido”, destaca o Dr. Marcelo.
Fatores externos também afetam silenciosamente os idosos. A exposição cumulativa à poluição atmosférica, comum nas grandes cidades, e histórico de traumatismo craniano que pode deixar cicatrizes neurológicas que se tornam mais visíveis na velhice, tendem a enfraquecer as defesas do cérebro ou desencadear processos degenerativos de forma silenciosa.
“A interação de diferentes estímulos é o que mais fortalece o cérebro”, recomenda o médico. Um estudo clínico FINGER, conduzido com idosos em situação de risco (2015)⁴, demonstrou que a combinação de alimentação saudável, exercícios, treino cognitivo e controle clínico reduziu em até 30% o declínio cognitivo em apenas dois anos de acompanhamento.