Confira aritgo de Carine Roos, fundadora e CEO da Newa
Antes mesmo da tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul, já vivíamos uma epidemia de pessoas adoecidas nas organizações, reflexo de uma sociedade consumida pelo trabalho e amortecida pelo individualismo. Porém, a chegada de uma crise humanitária como a que se instalou no Estado gaúcho ampliou ainda mais esses efeitos. As enchentes e impactos consequentes, não apenas deixam marcas visíveis nas cidades gaúchas, mas também traumas que poderão levar anos e até décadas para serem reparados.
Mudanças abruptas na rotina, estresse incessante, carência de contato afetivo, perda de segurança financeira e de senso de identidade, são apenas alguns dos fatores que agravam uma situação já desafiadora. Ainda não existem dados disponíveis para entender a dimensão do ocorrido na saúde mental das pessoas, mas gosto de lembrar alguns números já existentes e que podem servir de base para as empresas e lideranças agirem neste momento.
O relatório “Saúde Mental e Bem-Estar”, do centro de pesquisas Opinion Box, que ouviu 2.119 pessoas em agosto de 2023, demonstra que 65% acreditam que o trabalho pode contribuir positivamente para melhorar a saúde mental das pessoas, ainda mais se for feito de forma equilibrada. As organizações precisam entender e reconhecer a importância dessa relação, assim como a necessidade de implementar estratégias que promovam um ambiente psicologicamente seguro para que essas pessoas tentem retomar suas vidas.
Não existem respostas simplistas nem soluções únicas, e a forma como abordamos esses desafios será determinante para o futuro dos negócios e para o tecido social em geral.
A magnitude do problema torna-se ainda mais clara quando consideramos que uma em cada três cidades está localizada em áreas de risco recorrente para desastres climáticos, conforme estimativas da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, órgão vinculado à Casa Civil. Embora este cenário seja assustador, ele não é desconhecido. Há muito tempo se fala dos efeitos do aquecimento global, e todos precisam fazer a sua parte para uma transformação radical de como lidamos com a questão. Afinal, não existe plano B para o planeta.
A necessidade de lideranças humanizadas
É crucial que a liderança aja com rapidez e empatia quando tragédias ocorrem, para atender às demandas individuais e coletivas. Isso inclui garantir a segurança material e emocional, oferecer suporte contínuo identificando as novas necessidades de cada colaborador, conectar as pessoas a recursos profissionais e permitir ajustes nas cargas de trabalho. Assim, urge a necessidade de se criar uma cultura organizacional que promova confiança, empatia e resiliência, de modo que as pessoas sintam-se seguras em seu ambiente de trabalho e em suas vidas cotidianas.
O relatório da The School of Life aponta que apoio e acolhimento são para 65% das pessoas os fatores mais importantes do trabalho. Um outro dado do mesmo estudo nos faz questionar se a liderança é parte fundamental desta mudança, a pergunta que fica é: ela está capacitada para acolher as pessoas que apresentam questões de saúde mental? Do lado da gestão, 46% disse não estar pronta e não possuir planos para treinamentos em 2023 e nem em 2024. Isto reflete diretamente na resposta de outra parte: 61% dos liderados dizem haver falta de preparo dos gestores.
E isso deve se intensificar em momentos de crise. Por isso, uma liderança humanizada estará melhor desenvolvida para lidar com situações extremas, com um olhar sensível aos seus liderados, reconhecendo sinais de angústia. A ansiedade, depressão, raiva, isolamento e esgotamento podem se intensificar após eventos traumáticos como os que estamos vivenciando. Além disso, é essencial compreender que esses acontecimentos podem afetar a comunicação, o aprendizado e a colaboração entre as pessoas.
Um aspecto fundamental é praticar a escuta ativa e validar as emoções das pessoas afetadas. Minimizar os sentimentos ou pressionar por uma rápida recuperação pode ser contraproducente, e é essencial respeitar o tempo necessário para o processo de cura e compreender que a performance das pessoas pode ser afetada. Devemos lembrar que o sofrimento merece ser respeitado, sem hierarquização da dor.
Saúde mental das lideranças
Em tempos de crise, os líderes também devem desenvolver estratégias e recursos para cuidar de si mesmos, apoiados por uma organização que tem o bem-estar como pilar central para um trabalho satisfatório, oferecendo apoio e suporte emocional, afinal, é impossível exercer uma liderança humana se estamos anestesiados das nossas emoções e do nosso corpo. A liderança costuma ser um exemplo a ser seguido dentro da organização, e se ela estiver mais presente emocionalmente e com atenção em seus processos, é provável que isso se estenda aos seus liderados.
Apesar dos desafios em busca de resultados, é fundamental que todos os recursos sejam direcionados para o bem-estar das pessoas afetadas, tanto aquelas que estão no epicentro da tragédia, quanto as que podem oferecer suporte para restaurar o senso de propósito e dignidade. Diante das adversidades impostas pelas mudanças climáticas, a liderança humanizada emerge como uma força transformadora, capaz de guiar empresas e comunidades rumo a um futuro mais resiliente e compassivo.
*Carine Roos é mestra em Gênero pela London School of Economics and Political Science – LSE. Também é pós-graduada pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies (Califórnia/EUA) em Cultivando Equilíbrio Emocional nas organizações e atua como especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Lidera a Newa, empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade.