Em um país com 67 milhões de endividados e onde o valor da prestação ainda é considerado mais importante que o preço final do produto, falar sobre educação financeira é quase um ato de saúde pública. Foi com essa urgência — e esperança — que o painel “Educação Financeira e a Cultura do Seguro” esquentou os debates da Conseguro 2025, em São Paulo, no dia 27 de maio.
Moderado por Ney Dias, presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), o encontro partiu de uma provocação: como construir, de fato, uma cultura do seguro num país em que grande parte da população mal sabe como administrar o próprio orçamento? A resposta veio em falas contundentes, com um consenso: sem educação financeira, o seguro não cumpre seu papel de proteção social.
“Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”, disse Ney, citando Derek Bok, ex-reitor de Harvard. No Brasil, essa ignorância custa caro — especialmente aos mais pobres, que acabam reféns de juros abusivos e produtos financeiros mal compreendidos.
O que podem fazer juntos: setor financeiro, seguradoras, governo e escolas?
André Nunes, consultor da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), trouxe à tona o dilema intertemporal que marca nossas escolhas: “Devemos desfrutar o hoje para pagar no amanhã ou pagar no hoje para desfrutar o amanhã?”. E lembrou que a ideia de aposentadoria como um ciclo final já não se sustenta. Hoje, estudar e trabalhar são tarefas para toda a vida.
Júlia Lins, diretora da Susep, defendeu a integração entre órgãos públicos e privados para levar educação financeira às escolas e ampliar o alcance das ações. “Vemos que há uma baixa cultura do seguro, não só da população, mas também das entidades públicas”.
Mauro Benevides Filho, deputado federal pelo PDT do Ceará, foi direto: “A mudança precisa começar no ensino fundamental. Educação financeira para adultos é importante, mas só muda a estrutura se a gente mexer na base”. Ele também alertou para o avanço das apostas esportivas e o consumo imediatista como grandes vilões da cultura do planejamento.
Amaury Oliva, diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), trouxe dados que ilustram o tamanho do desafio. “Nossa pesquisa anual mostra que 84% dos brasileiros vivem em situação de risco financeiro. Um terço gasta mais do que ganha, e 32% não têm qualquer reserva de emergência”. Segundo ele, embora haja sinais de melhora, apenas 53% da população reconhece que precisa aprender mais sobre finanças.
Amaury reforçou que um consumidor mais consciente é bom para todos: “Um terço do spread bancário está ligado à inadimplência. Se reduzimos isso, todos ganham — bancos, seguradoras e sociedade”. Ele destacou ainda que ninguém avança sozinho. “Precisamos de mais parcerias estratégicas”, afirmou.
Entre as boas práticas do setor bancário, citou a autorregulação da Febraban, em vigor desde 2008, “para ir além das exigências da lei” e a adoção de resumos contratuais para facilitar o entendimento dos consumidores. Também apontou a evolução tecnologia como aliada no processo de educação financeira, ajudando a criar um ambiente mais favorável e acessível para o cidadão.
Como a Susep pode estimular a proteção securitária no Brasil?
Júlia Lins, diretora da Susep, destacou o projeto “Na ponta do lápis”, que visa incorporar no currículo da educação básica a educação financeira de forma transversal, em disciplinas como matemática, história e até biologia. “Não podemos, por exemplo, falar da história das civilizações sem falar da história das finanças. Tudo está conectado”.
A diretora da Susep também citou o projeto digital “Meu Futuro Seguro”, que leva conteúdo acessível sobre seguros às redes sociais. “Precisamos explicar, de forma clara e objetiva, o que é o seguro e por que ele é importante — para todos os públicos”.
Quais lições do Ceará podem inspirar o Brasil? E qual o papel do Congresso?
Referência em educação básica, o estado do Ceará foi usado como exemplo por Mauro Benevides Filho. “Levamos 12 anos para chegar aonde chegamos, tendo iniciado o fortalecimento da educação no ensino fundamental. Mas também precisamos de novos produtos de seguro.” Segundo ele, é essencial restaurar a confiança no sistema: “O consumidor precisa acreditar que será ressarcido em caso de sinistro”.
Como as seguradoras podem contribuir para fortalecer a educação securitária?
Mirella Dota Sanches, da CNP Seguradora, apresentou experiências práticas: a parceria com os Correios para distribuição de microsseguros e a formação dos atendentes para que expliquem o que é o produto de forma simples e clara. “Não é só sobre ser acessível no preço, é sobre ser acessível na linguagem”.
André Nunes reforçou que a CNseg tem projetos voltados à formação de jovens, principalmente os em situação de vulnerabilidade, como o apoio a estudantes de ciências atuariais, a capacitação de programadores de TI e a parceria com a Unicef para levar educação financeira a professores da rede pública. “Queremos acompanhar esses alunos ao longo de sua vida. Avaliar se a informação mudou, de fato, o destino dessas pessoas”.
A cultura do seguro começa na confiança — e no conteúdo
O painel terminou como começou: com otimismo, mas com os pés no chão. Ney Dias fez questão de reforçar que o desenvolvimento de uma cultura do seguro gera cidadãos mais completos e independentes — e é isso que o país precisa para seguir em sua vocação de crescimento.
Júlia Lins lançou um desafio: “As seguradoras estão mesmo dispostas a oferecer seguros para o carro velho e para a casa da comunidade?”.
Mirella Sanches argumentou que muitas empresas falam da importância das questões Ambientais, Sociais e de Governança (ASG), mas criar produtos de seguro mais inclusivos também é ASG.
E André Nunes encerrou com uma nota de esperança: “A educação pode nos tornar versões melhores de nós mesmos. E é isso que nos move”.