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Contratar via PJ exige gestão de riscos e governança trabalhista

Especialistas discutem parâmetros das decisões do STF em matéria trabalhista / Foto: Tingey Injury Law Firm / Unsplash
Foto: Tingey Injury Law Firm / Unsplash

Confira artigo de Ivo Ary Meier Junior, advogado, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-PR e integrante do Ciscato Advogados Associados

A chamada pejotização tornou-se uma prática cada vez mais comum no mercado de trabalho após a reforma trabalhista de 2017. Se antes a contratação de pessoas jurídicas se limitava às atividades-meio, como limpeza e segurança, hoje também abrange atividades-fim das empresas. Essa expansão, no entanto, trouxe um campo nebuloso para as relações trabalhistas e gerou preocupação quanto à legalidade e aos riscos envolvidos nesse tipo de contrato.

A prática da pejotização se caracteriza quando o empregador induz ou exige que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica para então contratá-lo sob a forma de um acordo comercial. Na teoria, trata-se de uma relação entre empresas. Na prática, muitos desses contratos apenas mascaram uma relação de emprego, na qual o contratante exerce poder de mando, define jornada e exige exclusividade.

Para que a contratação via PJ seja considerada lícita, é essencial que a pessoa jurídica contratada tenha autonomia na execução dos serviços. Além disso, deve haver distanciamento dos requisitos definidos no artigo terceiro da CLT, como a pessoalidade, a habitualidade, a onerosidade e, principalmente, a subordinação. A presença desses quatro elementos descaracteriza uma relação comercial e configura um vínculo de emprego.

Outro indício frequente de fraude é a exclusividade. Embora não seja um critério determinante para o vínculo, quando o prestador de serviço atua exclusivamente para uma empresa, isso pode reforçar a tese de subordinação e dependência econômica.

Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar a validade e os limites da contratação de trabalhadores via pessoa jurídica. O objetivo é estabelecer critérios objetivos que permitam diferenciar a relação comercial legítima de uma tentativa de burlar os direitos trabalhistas previstos na Constituição.

Atualmente, as interpretações sobre o tema divergem entre as órgãos da Justiça. A Justiça do Trabalho tende a adotar um olhar mais restritivo, reconhecendo o vínculo empregatício com maior facilidade. O STF, por outro lado, tem sinalizado maior abertura para reconhecer a validade das contratações via PJ, desde que observadas as condições de autonomia e independência da pessoa jurídica.

Essa falta de uniformidade jurisprudencial tem gerado insegurança tanto para empresas quanto para os próprios prestadores de serviço. A definição do STF pode trazer maior previsibilidade e estabilidade para o ambiente de negócios.

Enquanto a decisão não é tomada, as empresas que adotam esse modelo precisam redobrar a atenção. Os riscos jurídicos são significativos. Se a relação for judicialmente reconhecida como empregatícia, o contratante poderá ser responsabilizado por todas as verbas trabalhistas, como férias, décimo terceiro, FGTS, horas extras e descanso semanal remunerado. Além disso, há possibilidade de autuações por parte do Ministério do Trabalho, da Receita Federal e do INSS.

Outro ponto que deve ser considerado é o uso crescente de provas tecnológicas. Conversas registradas em aplicativos de mensagens como WhatsApp, que mencionam salário, férias ou controle de jornada, têm sido utilizadas como evidência para comprovar o vínculo de emprego disfarçado.

Por isso, a orientação é clara. Empresas que desejam contratar via PJ precisam assegurar que essa relação seja, de fato, comercial. Isso inclui a elaboração de um contrato formal bem estruturado, o pagamento através de nota fiscal, o recolhimento adequado de tributos e, principalmente, o respeito à autonomia do contratado. Não se pode exigir exclusividade ou impor rotina de trabalho, tampouco determinar jornada ou local de execução das atividades.

A formalização da contratação é um aspecto central. Nenhum órgão da Justiça tolera a informalidade quando se trata de relações continuadas. O princípio da primazia da realidade prevalece sobre qualquer documento. Isso significa que não importa o que está escrito no contrato, mas sim como a relação acontece no dia a dia.

Setores como tecnologia da informação, comunicação, publicidade, audiovisual e saúde estão entre os mais sensíveis e mais fiscalizados quanto à prática da pejotização. Esses segmentos, por adotarem com mais frequência o modelo de contratação por PJ, precisam seguir políticas de compliance trabalhista que garantam não apenas a conformidade legal, mas também a transparência das relações estabelecidas.

O julgamento do STF tem potencial para redefinir os limites da relação entre empresas e prestadores de serviço. Caso a Corte valide amplamente a contratação por PJ, o mercado ganhará em flexibilidade e inovação. Caso a decisão seja mais restritiva, poderemos assistir a uma revisão em massa de contratos e um retorno a modelos mais conservadores de relação de trabalho.

Independentemente do resultado, o empresário que pretende contratar nessa modalidade precisa compreender que o sucesso está na governança. Isso significa adotar boas práticas, garantir a autonomia dos contratados e alinhar a documentação com a realidade. Contratar por PJ exige mais do que um CNPJ na mesa. Exige estratégia, conformidade e responsabilidade.

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