Confira análise de Paulo Sergio João, advogado e professor de Direito do Trabalho da PUC-SP
Os sindicatos de trabalhadores, historicamente, no mundo inteiro, desempenharam papel relevante na construção dos direitos trabalhistas. Entre nós não foi diferente. Todavia, na atualidade, os sindicatos passam por um processo de transformação em que o modelo de unicidade sindical serviu para fortalecer economicamente os sindicatos, mas, de outro lado, enfraqueceu a representatividade das organizações.
A publicação do acórdão dos embargos declaratórios no Recurso Extraordinário 1.018.459, da lavra do ministro Gilmar Mendes, que tratou de rever decisão anterior sobre os descontos de contribuição assistencial prevista em norma coletiva — entendendo, agora, como constitucional a imposição a todos os empregados representados pelo sindicato, filiados ou não, desde que seja assegurado o direito de oposição dos trabalhadores não associados —, ficou longe de atender a prestação jurisdicional esperada e trouxe inconsistências em seus fundamentos.
A fim de garantir a legitimidade da cobrança, os trabalhadores definem o valor da contribuição assistencial no momento das assembleias de associados, designadas pelo sindicato para definir a pauta de reivindicações, que será objeto das negociações coletivas. Em palavras outras, a contribuição não é objeto da negociação e nem depende de concordância do sindicato patronal ou empresa quando se tratar de acordo coletivo. Ela, a contribuição, recebe a aprovação dos descontos em assembleia e não poderá ser contestada.
Vale lembrar que os sindicatos, de acordo com o disposto pelo artigo 612 da CLT, somente poderão “celebrar Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembleia Geral especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos respectivos Estatutos”. Portanto, a decisão pela contribuição assistencial é tomada pelos associados do sindicato, devidamente convocados para deliberação, e o fato de pertencerem à “categoria” não significa dizer associado e, portanto, não poderiam comparecer à assembleia para manifestar seus interesses ou oposição.
O sindicato não tem poderes para convocar assembleia para não associados!
Melhor seria manter a lógica do artigo 545, da CLT, pelo qual a obrigação de desconto em folha de pagamento está condicionada à autorização dos empregados (“Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados”).
De fato, o STF fez um remendo para tentar socorrer o histórico baixo índice de sindicalização, mais evidenciado pela Lei nº 13.467/2017, ao dar à contribuição sindical caráter facultativo. Com todo respeito, o sindicalismo não será mais forte com modelos de custeio forçados, mas pela adesão de trabalhadores que, efetivamente, deem ao sindicato legitimidade na representação.
Dito isso, a convenção ou o acordo coletivo são instrumentos normativos que estipulam condições de trabalho no âmbito das respectivas representações às relações individuais de trabalho, conforme dispõe o artigo 611, da CLT.
O Ministério Público do Trabalho, oportunamente, opôs embargos declaratórios para que sejam esclarecidas omissões na “perspectiva da fixação da tese e modulação de efeitos” a fim de evitar conflitos trabalhistas que, aliás, já se mostram em grande número perante o Judiciário Trabalhista.
Pretende o MPT que o STF observe em sua decisão três aspectos: (1) module os efeitos da exigência a partir da decisão do STF com o objetivo de cumprir mandamento constitucional da segurança jurídica, evitando cobranças retroativas; (2) que seja observado um valor razoável da contribuição assistencial; (3) que se manifeste quanto a eventuais atos antissindicais.
Parece que o MPT tenha perdido a oportunidade, ainda, em defesa do exercício da liberdade sindical e da proteção de dados de acordo com a LGPD, de apontar que a decisão do STF não protege a condição cidadão enquanto associado ou não ao sindicato.