Confira artigo de José Fernando Borges Gonzalez, coordenador jurídico de estruturação da Opea
Em um mundo altamente competitivo, é comum refletirmos sobre as condições necessárias para o sucesso ou não de uma determinada empreitada. E, num ecossistema dominado por novas tecnologias, não raramente tendemos a pensar no êxito de determinadas companhias em termos de inovação e disrupção. Porém, um outro elemento é ainda mais essencial – algo que não vem das novas noções de inovação, é tão antigo quanto a humanidade e tão importante para uma startup em 2023 quanto o foi para o sucesso de qualquer empreitada na história: recursos (ou, na sua forma mais moderna, dinheiro).
A disponibilidade de recursos financeiros para a estruturação de negócios é essencial para toda e qualquer empreitada. É normal, portanto, que o mercado desenvolva soluções igualmente inovadoras para este tipo de questão.
A doutrina sobre o tema é vasta e amplamente debatida por autores de renome, de forma que não pretendo me estender nas possíveis formas de financiamento corporativo. Pelo contrário, aqui abordaremos apenas uma espécie de financiamento e uma inovação recente que ainda está sendo experimentada pelo mercado: a securitização de recebíveis.
Com o advento da lei nº 14.430/22, mais conhecida como o novo marco da securitização, as normas que tratavam o tema mudaram. A nova lei passa a regular o funcionamento do regime fiduciário e cria o conceito de “certificados de recebíveis”, com regramento similar ao dos títulos de securitização emitidos por securitizadoras até então (CRI, CRA e Debêntures Financeiras), mas com um importante diferencial: estes certificados de recebíveis não têm limitações de lastro.
Anteriormente, a CVM e o legislador se limitavam a regular os mercados imobiliário e agropecuário, que têm grande sinergia com a securitização. A retirada dessa limitação traz ao país uma nova e importante solução de financiamento corporativo: o CRX ou o certificado de recebíveis lastreado em qualquer tipo de crédito – a variável “X” muda dependendo do setor da economia financiado.
A importância do CRX vai além do meramente jurídico e aborda as implicações econômicas deste produto. Imaginemos, por exemplo, um mercado de alta incidência de créditos pulverizados, como a assinatura de plataformas de streaming. Com o CRX, a securitização destes recebíveis a longo prazo passa a ser factível, por meio de estruturas de destinação – a plataforma emite um título de dívida, garantido por cessão fiduciária de recebíveis de assinatura. Assim, ao invés de se financiar a curto prazo, com o adiantamento de recursos via FIDC, a plataforma passa a se financiar a longo prazo, seguindo a lógica de estruturas de securitização já consolidadas no mercado.
Outra grande vantagem está na possibilidade de constituição de patrimônio separado para a operação de securitização, o que blinda os recursos e garantias da operação contra credores da securitizadora, conferindo maior segurança jurídica à operação para eventuais investidores. O mesmo valeria para outras indústrias e outros setores com fluxos de recebíveis mais ou menos previsíveis – mas aqui vale ressaltar que o credor toma um risco maior com este tipo de estrutura, dado que passa a apostar no sucesso e viabilidade econômica do devedor a longo prazo.
Contudo, vale ponderar também que o CRX não desfruta do mesmo regime tributário de CRI e CRA, exceto pela incidência de PIS/COFINS, que se equipara a de outros títulos de securitização – fato que o torna menos atraente a casas de investimento que buscam vender esses papéis no mercado secundário. Além disso, muitas indústrias possuem lastros imobiliários viáveis, como aluguéis, compras de imóveis, reformas, etc, o que faz a saída de financiamento via CRI ser uma opção não só viável, como mais cômoda para o investidor e para as partes envolvidas.
Assim, chegamos à seguinte questão: os CRX são, de fato, o futuro da securitização? Sim. Ainda há certa resistência em aceitar o produto – não só pela insegurança que a falta de precedentes traz para uma operação, mas também pela comodidade trazida por um mercado que, por muito tempo, esteve acostumado a poucas estruturas de securitização (CRI, CRA e FIDC, em especial). Além disso, há de se considerar que a norma que os instituiu foi publicada há um ano, o que significa que o produto ainda não teve tempo de amadurecer e que os envolvidos em operações de securitização não tiveram tempo de estruturar e comercializar operações deste tipo em maior escala, e que o mercado não teve tempo para assimilar as possibilidades que este tipo de operação pode trazer para a economia como um todo. Portanto, a chave do sucesso (ou insucesso) deste produto também demanda outro elemento primordial: tempo.
Ainda há muito o que ser desenvolvido para que possamos chegar ao nível de mercados mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, mas este caminho passa, inevitavelmente, pela expansão do rol de produtos securitizados. É essa a grande importância do CRX: a possibilidade de emitir títulos securitizados com lastro em qualquer tipo de crédito permite acesso a projetos de financiamento de longo prazo, com a segurança de um patrimônio separado constituído somente para tal operação, a empresas que outrora seriam reféns do financiamento bancário de varejo, com juros altos e poucas opções de customização. Talvez não seja a forma final da securitização no Brasil, mas o CRX certamente é um passo na direção correta para o futuro do mercado de capitais no Brasil.
*José Fernando Borges Gonzalez é coordenador jurídico de estruturação na Opea e advogado especializado no mercado de capitais