Levantamento aponta que 70% desses recaem sobre os pacientes, familiares e a comunidade. Apesar de danos socioeconômicos e à saúde, tratamento que reduz incapacidade neurológica do derrame ainda não está disponível no SUS
Esses dados foram observados num levantamento inédito realizado pela equipe do Joinvasc, programa público de tratamento do Acidente Vascular Cerebral (AVC) de Joinville (Santa Catarina), uma referência internacional no acompanhamento e tratamento de doenças cerebrovasculares, e acabam de ser apresentados pela primeira vez no Congresso Brasileiro de AVC em Curitiba.
O estudo também identificou que um paciente de AVC perde cerca de 9 anos de vida por conta das limitações físicas e emocionais, e que 70% desses custos são indiretos, ou seja, recaem sobre os pacientes e seus familiares.
“Além dos custos imediatos com hospitalizações e medicações, as doenças cerebrovasculares resultam numa série de mudanças na vida dos pacientes e seus familiares: desde a perda de produtividade até a demanda por cuidadores e as repercussões na estrutura familiar. No contexto do Brasil, esses custos ressoam de forma devastadora”, alerta o Dr. Pedro Magalhães, Neurologista e Neurorradiologista Intervencionista do Joinvasc e um dos autores da pesquisa.
Todo os anos mais de 12 milhões de pessoas têm algum tipo de AVC no mundo, com 6,5 milhões de mortes — a segunda principal causa de óbitos, atrás apenas de problemas no coração. No Brasil, o AVC matou 50 mil no primeiro semestre deste ano e 114 mil em 2022, segundo os Cartórios de Registro Civil do Brasil.
Quando não mata, o AVC pode levar a incapacidades neurológicas leves e passageiras ou graves. Entre as principais, segundo o especialista, temos a perda de controle dos membros, como a paralisia de um lado do corpo, dificuldade de caminhar, dificuldade para falar, diminuição de memória, dificuldade de enxergar, dificuldade de engolir, entre outras.
Segundo o médico, a compreensão do verdadeiro custo do AVC requer uma abordagem multidimensional que considere o impacto financeiro, social e emocional da doença. “Essa realidade se traduz em um ônus devastador: só em 2022, os custos diretos e indiretos do AVC no Brasil foram impressionantes R$ 30,8 bilhões. Precisamos agir coletivamente frente a esta emergente crise de saúde pública”, afirma.
Tratamento inovador aguarda liberação do Ministério da Saúde
Segunda causa de morte e a primeira de incapacidade no mundo, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorre quando há uma alteração na circulação sanguínea do cérebro. Ele pode ser isquêmico – quando um vaso sanguíneo no cérebro fica bloqueado devido a um coágulo ou trombo – que é o tipo mais comum, correspondendo a 85% dos casos, ou o hemorrágico – quando a artéria se rompe e o sangue extravasa. Cerca de 70% dos indivíduos que sofrem um AVC não retornam ao trabalho em razão das consequências da doença.
Atualmente no SUS o único tratamento disponível para o AVCi é a Trombólise Endovenosa, uma injeção que dissolve os coágulos que entopem os vasos sanguíneos e deve ser aplicada em até 4,5h após os primeiros sintomas. Porém, há um problema no procedimento, pois quando os vasos são muito grandes, o medicamento não consegue penetrar o suficiente para dissolver os coágulos, assim a efetividade do tratamento diminui.
Embora a Trombectomia Mecânica (TM) tenha sido aprovada pela CONITEC em 2021, como tratamento seguro, eficaz e com custo-efetivo contra o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi) no SUS, a técnica ainda não está disponível para a população, pois aguarda a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) pelo Ministério da Saúde. De lá para cá, outubro de 2023, estima-se que mais de 70 mil pessoas deixaram de ser tratadas e beneficiadas pela TM na rede pública.
Minimamente invasiva, a Trombectomia Mecânica complementa a trombólise, única opção disponível na rede pública de saúde, e nem sempre eficiente para os casos mais graves do AVCi. Além de segura e eficaz, uma das grandes vantagens da TM é que pode ser utilizada até 24 horas após os primeiros sintomas do AVC com sucesso, enquanto outras formas de tratamentos, como os medicamentos trombolíticos, têm uma janela restrita de indicação e sucesso somente até 4,5 horas depois das manifestações iniciais da doença.
A Trombectomia Mecânica consiste na desobstrução da artéria cerebral realizada por um cateter que leva um dispositivo endovascular, um stent ou um sistema de aspiração, para remover o coágulo sanguíneo do cérebro. Com o procedimento, a taxa de recanalização na oclusão de grandes vasos chega a 77% (NOGUEIRA, 2018, WHITELEY, 2017), significativamente mais eficiente que o tratamento convencional de trombólise endovenosa, com 11% (TSIVGOULIS, 2018). A trombólise endovenosa, tratamento medicamentoso com uso de trombolítico, deve ser aplicado em até 4h30 após os primeiros sintomas.
A TM proporciona também melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva e motora) e dando maior independência no pós-AVC. Estudos apontam ainda que 46% dos pacientes que foram submetidos a essa nova técnica se mostraram independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que recebeu a trombólise endovenosa (GOYAL, 2016).
A incorporação na Conitec considerou também o RESILIENT, estudo financiado pelo Ministério da Saúde, realizado em 12 hospitais públicos brasileiros, que comparou a Trombectomia Mecânica com o tratamento clínico até 8 horas do início do AVC em 221 pacientes e demonstrou que a trombectomia aumenta muito a chance de o paciente ficar independente para as atividades diárias além de reduzir de 50% para 31% a chance de morte ou incapacidade grave.
O órgão também considerou dois estudos que avaliaram o tratamento até 24 horas, um deles, inclusive, liderado pelo brasileiro Raul Nogueira (neurologista chefe do Serviço de AVC da Universidade de Pittsburg), responsável pela pesquisa Dawn publicada em 2018, realizada nos EUA. O ensaio clínico contou com 206 pacientes com AVC entre 6 e 24 horas avaliados com tomografia com perfusão, que é capaz de verificar se ainda existe cérebro salvável mesmo com mais tempo do início dos sintomas do AVC. O estudo mostrou que, em pacientes selecionados entre 6-24 horas, após três meses do AVCi, 48,6% do grupo TM conseguiram seguir a vida de forma independente. No tratamento convencional o índice foi significativamente inferior, apenas 13,1% atingiram o mesmo patamar.
Em suma, a Trombectomia Mecânica reduz as taxas de mortalidade, o tempo de internação, dá mais chances para a boa recuperação no pós-AVC e atenua em até três vezes as incapacidades neurológicas do AVC.