Anúncio foi feito durante o 5º Panorama de Veículos da Acrefi, que reuniu representantes do setor público e privado para discutir tendências e perspectivas do mercado automotivo brasileiro
O financiamento de veículos no Brasil está diante de uma inflexão. Enquanto o setor lida com os efeitos de uma inadimplência crescente e um ambiente econômico desafiador, medidas estruturantes começam a se consolidar para reequilibrar o mercado. Um dos marcos mais relevantes nesse processo foi anunciado na última quarta-feira (24) pelo Detran-SP: uma plataforma que permitirá, de forma inédita, que agentes de garantia e a Polícia Militar realizem operações de busca e apreensão de veículos com registro digital imediato, por meio da recuperação extrajudicial.
“Queremos garantir segurança jurídica e eficiência. É um passo que pode marcar uma virada na história do financiamento de veículos no Brasil”, afirmou Vinícius Novaes, diretor de Veículos do Detran-SP. Ele antecipou ainda que a plataforma poderá ser replicada por outros estados, ampliando a padronização nacional. O sistema será implementado em caráter experimental nas próximas semanas.
O anúncio foi feito durante o 5º Panorama de Veículos, realizado pela Acrefi em São Paulo, que reuniu representantes do governo e dos principais players do crédito automotivo para debater os desafios para ampliar a segurança jurídica e reduzir os custos do crédito automotivo. Um dos temas centrais foi o Renave, que, apesar de existir há mais de uma década, ainda enfrenta baixa adesão nos estados por falta de padronização e incentivos fiscais.
“Não é apenas uma questão de tecnologia, mas de governança e visão estratégica. O Renave só ganhará escala quando houver clareza sobre os benefícios e engajamento efetivo de todos os agentes do ecossistema”, afirmou Adrualdo Catão, secretário nacional de Trânsito (Senatran). Ele também defendeu medidas de simplificação e segurança jurídica: “A insegurança jurídica é um grande problema para qualquer mercado, e, no setor de veículos, ainda lidamos com muita burocracia e custos de transação acima da média”.
Segundo o último Auto Acrefi, cerca de 50% dos pontos de venda (PDVs) do setor têm score reputacional classificado como D ou E, o que pressiona as aprovações e aumenta o risco da carteira. A inadimplência acima de 90 dias também voltou a crescer em 2025, conforme apontado no mesmo estudo, o que reforça a necessidade de mecanismos mais ágeis para a retomada de ativos. O crédito para veículos representa cerca de um quarto do total das concessões a pessoas físicas com recursos livres, segundo dados do Banco Central. Em 2024, foram financiados mais de 4,5 milhões de veículos novos e usados, com forte concentração nas regiões Sudeste e Sul.
Recuperação extrajudicial avança
O projeto desenvolvido pelo Detran-SP, em parceria com registradoras de contratos, deve funcionar como referência para outros estados. A proposta é criar uma jornada 100% digital para a retomada de bens em casos de inadimplência, sem a necessidade de judicialização.
Para Mayara Rezeck, do Itaú, custo e ausência das regulações estaduais são os gargalos conhecidos que ainda pesam: “Todo mundo já tem esteiras de recuperação judicial funcionando. Para o extrajudicial ganhar tração, é preciso resolver esses pontos e dar mais previsibilidade”.
O avanço do modelo também deve gerar impactos sistêmicos e, na visão de Cezar Janikian, do Santander Financiamentos, “vai ser um marco na história do financiamento no Brasil. Será o antes e o depois na concessão de crédito, na recuperação e na visibilidade para os bancos”. Heverton Peixoto, do Omni Banco, complementou: “Num mercado tão competitivo, toda eficiência volta para o cliente final. Qualquer ganho de 100 pontos-base muda o nosso ano. Eficiência na recuperação não é capturada pelos bancos, mas repassada ao consumidor”.
Renave ainda enfrenta entraves para ganhar escala
Apesar do avanço em São Paulo, o Renave segue encontrando dificuldades em estados com maior volume de transações. Representantes do setor destacaram que, além da governança, o modelo precisa de ajustes tributários e incentivos à adesão de lojistas e concessionárias. Cintia Falcão, diretora executiva da Acrefi, reforçou que a adesão ao sistema precisa ser tratada como um pacto entre entes federativos e mercado: “A institucionalidade do processo passa por unir esforços de governos estaduais, órgãos de trânsito e setor financeiro. É um movimento essencial para dar mais eficiência, competitividade e segurança ao setor”.
Experiências estaduais como a do Espírito Santo, onde o Detran atuou diretamente para facilitar a adesão e isentou a tributação na transferência de estoque, foram citadas como exemplo. “Está dando certo e voando. Estamos muito esperançosos de ver São Paulo avançar, porque pode ser um divisor de águas para os demais estados da federação”, destacou Janikian.
Outros representantes do setor financeiro reforçaram a necessidade de um plano estratégico nacional. “Sem visão de longo prazo e sem incentivos fiscais, o mercado acaba sabotando o processo”, alertou Peixoto. Henrique Fernandes, do Bradesco Financiamentos, cobrou celeridade: “Quando a gente ouve falar de 15 anos de Renave, ficamos preocupados, porque talvez quando o sistema venha a ser implementado, já não faça mais sentido”.