Saúde mental, colaboração, apoio e comunicação são fatores que ainda demandam atenção das organizações que buscam criar ambientes de maior realização
Uma pesquisa da Robert Half, em parceria com a The School of Life, revelou que 28% dos 387 líderes e 27% dos 387 liderados entrevistados assumem não estarem felizes em seus trabalhos. Na comparação com os dados de 2024, houve um ligeiro aumento de infelicidade entre gestores (de 22% para 28%). As informações compõem a 6ª edição do estudo Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho que, entre os meses de janeiro e fevereiro, mapeou a opinião de 774 profissionais de diferentes regiões do Brasil, a partir dos 25 anos e com nível superior completo.
“É preocupante saber que, mesmo com avanços nos debates e nas ações de gestão de pessoas e bem-estar organizacional, o trabalho ainda não é fonte de realização para uma parte expressiva dos trabalhadores. Também chamou a minha atenção saber que líderes e liderados apresentam taxas similares de felicidade (72% e 73%). É algo que sugere que a satisfação não está necessariamente ligada ao nível hierárquico, autonomia ou poder de decisão. Entendo que a transformação da experiência profissional em algo satisfatório tem mais a ver com um ambiente em que os colaboradores se sintam valorizados, reconhecidos e engajados”, considera Diana Gabanyi, CEO e Head de Experiências Corporativas da The School of Life.
Motivos para felicidade demonstram revolução no conceito do trabalho
O estudo indica que gestores sentem-se prioritariamente felizes em razão de realização e senso de propósito (resposta de 61% dos entrevistados), “worklife balance” (58%) e desafios e aprendizado contínuo (54%). Entre os colaboradores, clima organizacional e relacionamentos positivos (75%), equilíbrio entre vida pessoal e profissional (72%) e realização (48%) são os motivos mais relevantes.
“No meu dia a dia como headhunter, noto com muita clareza a transformação da relação das pessoas com o trabalho e isso está indicado nos dados que a pesquisa mapeou. Antes, aceitavam trabalhar para sobreviver, mesmo que isso significasse sacrifício e, até mesmo, sofrimento. Hoje, a busca é por propósito, conexão e equilíbrio”, explica Maria Sartori, diretora de mercado da Robert Half. “Nesse cenário, modelos rígidos e hierárquicos devem ser substituídos por uma cultura organizacional mais colaborativa, empática e emocionalmente segura. Isso, no final de cada expediente, tende a se refletir em produtividade, engajamento e inovação”, completa.
Saúde mental: um problema que persiste e cresce
A 6ª edição da pesquisa revela que 41% dos executivos e 45% dos trabalhadores têm enfrentado desafios emocionais (ansiedade, estresse ou burnout). No comparativo com os dados do último ano, houve um aumento no número de respondentes que não receberam diagnóstico médico, mas se sentem emocionalmente abaladas (de 16% para 22% entre lideranças e de 21% para 22% entre as equipes).
“Vejo esses dados como uma crise silenciosa de saúde mental. É evidente que existem muitos passos de evolução para melhorar esse cenário, mas ainda há um descompasso importante entre o discurso e a prática nas empresas”, destaca Saulo Velasco, psicólogo e head de aprendizagem na The School of Life. “O aumento das pessoas que se sentem emocionalmente abaladas, mas sem diagnóstico médico, sugere dois pontos preocupantes: o subdiagnóstico de transtornos emocionais e a normalização do sofrimento no trabalho. Muitos profissionais podem estar evitando buscar ajuda por falta de tempo, medo de estigma ou por não reconhecerem a gravidade do problema”, alerta.
É preciso normalizar a vulnerabilidade entre líderes
O levantamento apresenta um ponto importante sobre a vulnerabilidade na liderança, com mais de 20% dos gestores afirmando não se sentirem confortáveis para pedir ajuda aos seus chefes diretos, enquanto esse percentual é menor entre os liderados (16%). Trata-se de uma diferença que pode estar relacionada ao peso das expectativas sobre a gestão e à dificuldade que muitos executivos enfrentam em se mostrar vulneráveis.
“Ainda existe a ideia de que um bom líder deve ser sempre seguro, resoluto e autossuficiente, o que, muitas vezes, cria um abismo entre o que se é e o que se aparenta ser. Esse comportamento, reforçado por culturas corporativas que romantizam a resiliência extrema, pode gerar isolamento e esgotamento emocional, tornando a liderança um papel solitário”, esclarece Velasco. “A verdadeira gestão, no entanto, não está na ausência de dificuldades, mas na capacidade de enfrentá-las de forma aberta e consciente, promovendo um modelo de trabalho baseado na confiança e na cooperação”, orienta.
Qualidade da comunicação ainda é uma grande fragilidade
Apenas 44% dos executivos e 34% dos trabalhadores acreditam que informações importantes são sempre comunicadas de forma clara, completa e no momento certo dentro. Trata-se de um indicador preocupante, tendo em vista a importância de um diálogo eficaz para a produtividade, o engajamento e o alinhamento estratégico das equipes.
“Nunca tivemos tantos pedidos para realizarmos team buildings e offsites de colaboração e sinergia. Comunicação jamais foi fácil, mas no modelo híbrido essa conexão fica ainda mais complicada”, pontua Gabanyi. “Organizações nas quais os colaboradores não recebem informações e orientações claras, tendem a operar em um ambiente de incerteza, boatos, interpretações equivocadas, erros e retrabalho”, complementa.
Cooperação: um diferencial estratégico negligenciado
Mesmo com a colaboração sendo um pilar substancial de qualquer organização, mais de 40% dos entrevistados sentem que o ato de cooperar, em alguma intensidade, não faz parte da cultura corporativa. Do total, apenas 16% dos líderes e 15% dos liderados dizem que o espírito colaborativo está sempre presente no dia a dia do negócio.
“Entendo esses dados como um alerta para que as empresas mapeiem se, internamente, estão imperando as ações individualizadas, uma competição interna que não seja saudável ou se falta incentivo para a troca de conhecimentos e o apoio mútuo. Em um mundo corporativo cada vez mais complexo e dinâmico, a falta de espírito de colaboração pode comprometer a inovação, a resolução de problemas e, até mesmo, o bem-estar dos funcionários”, reforça Sartori.
5 recomendações dos especialistas para as empresas
Diana Gabanyi, Maria Sartori e Saulo Velasco concordam que os dados do levantamento são um claro chamado para que as organizações ampliem as reflexões sobre comunicação, cooperação, saúde mental e propósito. Na visão deles, cinco iniciativas devem ser incluídas nessa jornada:
- Fomento de uma cultura de apoio mútuo, que facilite a busca dos profissionais por ajuda dentro da organização;
- Treinamento em autoconhecimento e inteligência emocional;
- Mais transparência e eficiência na transmissão de metas, mudanças e estratégias;
- Incentivo ao trabalho em equipe e às relações interpessoais saudáveis;
- Ampliação das ações em prol do bem-estar mental da equipe.