Com média de diagnóstico superior a 4 anos no Brasil, nova tecnologia aprovada nos EUA detecta sinais de autismo por meio do olhar da criança
Um avanço histórico na neurociência e na pediatria acaba de abrir novas possibilidades para a primeira infância: a ferramenta de Avaliação EarliPoint™ é o primeiro dispositivo aprovado pela FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA) para auxiliar no diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em bebês a partir de 1 ano e 4 meses.
A tecnologia, que utiliza rastreamento ocular de alta precisão, marca um novo paradigma na forma como se identifica o autismo — antes mesmo dos 18 meses de vida, período em que as intervenções são mais eficazes para o desenvolvimento neurocognitivo.
O exame é simples: enquanto a criança assiste a um vídeo de aproximadamente 12 minutos, o sistema registra mais de 120 pontos focais por segundo. A ferramenta analisa como os olhos do bebê reagem a estímulos sociais em tempo real, comparando os dados a uma base robusta de referência com padrões típicos de desenvolvimento infantil.
O resultado é um relatório clínico detalhado e personalizado, que aponta indícios de autismo, o nível de engajamento social da criança e até aspectos de sua comunicação verbal e não verbal.
“Ferramentas como o EarliPoint™ representam um avanço significativo não apenas pelo potencial de acelerar o processo diagnóstico, mas também por oferecer precisão científica, reduzindo incertezas e permitindo intervenção precoce. Tecnologias como essa tem o potencial de democratizar o acesso ao diagnóstico e estabelecer novos padrões globais de cuidado em saúde”, explica Lívia Bomfim, psicóloga e gerente de produto da Genial Care, rede de cuidado em saúde atípica no Brasil.
Inovação com DNA brasileiro
A tecnologia é fruto de mais de 20 anos de pesquisa do renomado neurocientista Ami Klin, brasileiro radicado nos Estados Unidos e atual diretor do Marcus Autism Center, em Atlanta — o maior centro de pesquisa e atendimento clínico em autismo do país. Klin e sua equipe foram pioneiros no uso de rastreamento ocular como ferramenta de biomarcador para o autismo.
Segundo o cientista, os primeiros sinais de TEA podem ser identificados em padrões visuais atípicos já no segundo semestre de vida. A aprovação do EarliPoint™ é o reconhecimento regulatório de que esses sinais podem ser objetivamente medidos com tecnologia confiável, algo inédito até então.
Por que isso importa?
O diagnóstico precoce é um divisor de águas. Estudos da American Academy of Pediatrics mostram que sinais consistentes de autismo podem ser identificados entre 12 e 24 meses. Quando intervenções são iniciadas nesse período, há ganhos significativos nas habilidades sociais, na comunicação e no desenvolvimento cognitivo.
No entanto, a média de diagnóstico ainda gira em torno dos 4 a 5 anos nos Estados Unidos e é ainda maior em países como o Brasil, onde o acesso a profissionais especializados é desigual e concentrado nos grandes centros urbanos.
“O tipo de análise de dados que essa ferramenta propõe pode ser um divisor de águas para os profissionais de saúde, que agora poderão complementar suas avaliações clínicas com dados clínicos de muito valor. É importante ressaltar, no entanto, que mesmo com esses avanços tecnológicos, o sistema atua como uma ferramenta de apoio e não substitui o diagnóstico clínico final, sendo fundamental a avaliação do profissional que acompanha a criança”, ressalta a psicóloga Lívia Bomfim.
Em Santa Catarina, por exemplo, a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) já emitiu mais de 24.900 carteiras de identificação do autista desde 2020, número expressivo para um único estado e que reforça a urgência de dados mais amplos em nível nacional.
Redução de desigualdades
A inovação tecnológica também tem um papel social: ao padronizar a avaliação com dados objetivos, a Avaliação EarliPoint™ ajuda a combater vieses e erros diagnósticos que historicamente atingem populações sub-representadas. Um estudo da organização Adapte mostrou que crianças negras autistas têm 2,6 vezes mais chance de receberem diagnósticos errados, como transtornos de conduta, antes do reconhecimento do TEA.
“Embora o diagnóstico precoce de autismo esteja avançando, as desigualdades socioeconômicas e raciais ainda são grandes barreiras para o acesso à saúde especializada”, alerta Thalita Possmoser, Vice-Presidente Clínica da Genial Care. “Crianças autistas tornam-se adultos autistas, e um diagnóstico correto desde cedo contribui para uma sociedade mais inclusiva e compreensiva.”
Embora ainda não disponível em território nacional, a aprovação da FDA é o primeiro passo para a internacionalização da tecnologia. Países como o Brasil podem se beneficiar imensamente, principalmente no contexto de iniciativas públicas de triagem precoce e nas redes de saúde suplementar, onde a pressão por diagnóstico e tratamento é cada vez maior.
A Genial Care, por exemplo, já estuda formas de ampliar o uso de tecnologias complementares baseadas em evidência para apoiar a jornada das famílias brasileiras. “Estamos comprometidos em transformar o cenário do autismo no Brasil. Oferecemos acesso a intervenções de qualidade, orientação parental e um modelo integrado que beneficia crianças, famílias e todo o sistema de saúde”, destaca o fundador da healthtech, Kenny Laplante.
O futuro do cuidado começa agora
A Avaliação EarliPoint™ é mais do que uma inovação biomédica: é símbolo de uma virada cultural e ética no modo como o mundo olha para o desenvolvimento infantil. Unindo neurociência, tecnologia e empatia, a ferramenta inaugura uma nova era na detecção precoce do autismo — com potencial de impacto global e especial relevância para países onde o diagnóstico ainda é privilégio de poucos.