Recursos reduzem burocracia, conforme apontam especialistas no Global Halal Brazil Business Forum
No Global Halal Brazil Business Forum, em São Paulo, um dos temas debatidos foram os recursos à disposição atualmente para reduzir a burocracia, agilizar processos e torná-los mais eficientes, rastreáveis e confiáveis.
As discussões transcorreram no painel “A tecnologia impulsionando os negócios internacionais halal”, moderado por Marcos Bulgarelli, diretor de Inovação da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB).
“Pensando nos impactos que a tecnologia tem no comércio Internacional, mais especificamente nos produtos halal, penso em duas caixinhas diferentes”, disse Bulgarelli em sua introdução. “A primeira delas eu definiria como agilidade, talvez a mais comum a todo ambiente de negócios em que se tem mais segurança da informação, menos tempo e menos custo. Ficou muito evidente para todos nós, após os anos que passamos pela pandemia, a importância da busca pela competitividade”.
A outra caixinha apontada pelo diretor de inovação da CCAB é a da confiança, muito mais identificada com o mundo halal. “É uma caixinha em que não se tem um conceito novo, e sim histórico. Mas existem hoje novas ferramentas tecnológicas e novos processos que permitem que toda a cadeia de valor demonstre como o processo halal foi conduzido e mantido ao longo da produção, armazenagem, distribuição e venda”, completou Bulgarelli, antes de passar a palavra ao primeiro painelista, Tiago Barbosa, coordenador-geral de Facilitação do Comércio e gerente do Portal Único de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Barbosa iniciou sua exposição explicando que o Portal Único de Comércio Exterior é a principal iniciativa do governo federal para desburocratizar as operações de exportação e importação, buscando a redução de tempo e custo tanto para exportar quanto para importar.
Ele explicou que o Portal Único está em pleno uso desde 2018 em 100% das exportações. O sistema Ellos Easy Trade, da CCAB, por exemplo, está conectado com o portal, para facilitar o trânsito dos dados exportações para os países árabes, como a declaração de exportação, documento que ampara uma venda ao exterior, para utilizar a informação na geração dos documentos posteriores, como certificados de origem, e fazer a validação com o certificado halal.
“Desde que nos conhecemos como seres humanos, a gente faz comércio”, lembrou Barbosa. “Desde 1500, as trocas de mercadorias requeriam um documento chamado conhecimento de carga. Esse documento indicava quem poderia receber carga no destino e, com suas variações no decorrer do tempo, sempre foi emitido em papel”.
Com as evoluções das cadeias logísticas, surgiram outros documentos, como certificados de origem e o certificado halal, para identificar as questões de qualidade em relação ao produto.
No Brasil, a partir de 2014, o comércio exterior entrou na era dos documentos digitais. Passou a ser possível realizar exportações e importações escaneando os documentos em papel e apresentando-os dentro da plataforma de governo Portal Único Siscomex para conseguir liberar uma mercadoria.
Um segundo passo foi dado em 2018, com a adoção de documentos eletrônicos, em formato digital, que prescindiam de um substrato físico, como o papel, ao ser originados. É o que acontece na emissão de uma nota fiscal eletrônica ou de certificados eletrônicos. No jargão do setor, foi o início da era paperless trade (comércio sem papel).
Segundo Barbosa, em 2022, teve início a terceira modernização das operações de comércio exterior, com a troca eletrônica de dados, conhecida pelo nome técnico de interoperabilidade. “Em 2018, já havia a emissão de documentos de forma eletrônica, só que eles ainda precisavam ser enviados manualmente para o outro lado do mundo para que o importador, por exemplo, do país árabe, a partir de uma exportação brasileira, apresentasse esse documento eletrônico à aduana daquele país”.
Com a interoperabilidade, a mercadoria pode chegar desembaraçada a seu lugar de destino, cujos fiscais conseguem analisar a documentação e fazer a liberação baseados em documentos emitidos por entidades reconhecidas, assinados digitalmente e transferidos via blockchain com criptografia.
Barbosa citou um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2021, que demonstra o tempo de redução de desembaraço das exportações e importações brasileiras com o projeto Portal Único. A partir do momento que o governo federal começou a desenvolver essa iniciativa, houve redução de oito dias no tempo médio para exportar e importar.
Esse intervalo é o tempo médio da liberação da carga, quando ela chega no ponto de fronteira até submeter-se a toda a análise documental e física e permitir que ela saia ou entre no País. “Em 2014, esse intervalo caiu de 13 dias para cinco dias nas operações de exportação e já estamos quase em quatro dias agora em 2023”, orgulha-se Barbosa. “Para importar, o prazo caiu de 17 para nove dias”.
O encolhimento dos prazos reflete-se também nos custos das operações de comércio exterior. Uma exportação de carne para um país árabe ficou 9% mais barata, exemplificou Barbosa, levando em consideração custos indiretos como a necessidade de manter o produto em um contêiner refrigerado, que consome energia, enquanto fica parado à espera da liberação burocrática.
Vidal Mello, professor e consultor da Universidade de São Paulo (USP), foi o segundo painelista. Ele contou que as pesquisas que desenvolve mostram os documentos da maioria das empresas, em geral, estão sob controles eletrônicos, porém sempre coma interveniência de um ser humano a carregar a informação de um sistema para outro.
“Essa a realidade precisa mudar”, previu Mello. “Com todas as tecnologias disponíveis hoje, como internet das coisas, blockchain, big data, inteligência artificial etc., a gente precisa desenhar novos processos do zero. E esses novos processos precisam ser baseados em dados, para serem interoperáveis”.
O consultor destacou que vários autores internacionais dizem que os dados são o novo petróleo. O ciclo de monetização do dado segue o mesmo ciclo de monetização do petróleo. Ou seja, é preciso encontrar onde o dado está, criar uma forma de extrair esse dado, refinar, distribuir e gerar valor com ele.
As ferramentas tecnológicas disponíveis hoje se encaixam nesse ciclo. Na área da extração, há a internet das coisas e big data, por exemplo. No refino, pode-se aplicar a inteligência artificial. Na distribuição, é possível usar APIs de interoperabilidade ou plataformas de blockchain.
Uma coisa que Mello percebeu nas pesquisas que empreende nas empresas é que alguns dados ainda não estão estruturados. Há três tipos de dados possíveis: estruturados e semiestruturados e os não estruturados. E os dados passíveis de serem interpretados e processados pelos sistemas computacionais são os dados estruturados. “Então, para refiná-los, o importante é que se consiga sair dos dados não estruturados e semiestruturados para dados estruturados, a fim de obter a interoperabilidade”.
Mello deu um exemplo de um projeto que vem desenvolvendo, apoiado pela Câmara Árabe, pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), e pelo Ministério da Agricultura.
Relacionado à declaração de produção, a ideia do projeto é agilizar o processo de emissão de certificados sanitários internacionais, que são documentos emitidos pelo Brasil para os países importadores, garantindo uma série de requisitos sanitários da mercadoria.
Hoje, o processo funciona como Mello já explicou acima: os sistemas da empresa controlam as atividades do dia a dia. Depois, um ser humano pega essas informações do sistema da empresa e as digita no sistema do Ministério da Agricultura. Essas informações passam por um processo de certificação e validação. Depois têm que ser abastecidas no sistema do Portal Único do Comércio Exterior para rodar o gerenciamento de risco e a liberação nas fronteiras.
Segundo Mello, quatro empresas já participam do projeto piloto. Ele consiste em organizar os dados da produção presentes no planejamento e controle de produção e nos sistemas de qualidade da própria empresa e estruturá-los para que migrem de forma completamente eletrônica para dentro do Ministério da Agricultura, através de um documento eletrônico chamado declaração de produção. Dessa forma, consegue-se reusar os dados existentes nos sistemas privados, dentro dos sistemas governamentais para o gerenciamento de risco e a certificação eletrônica.
Uma vez que esse certificado é emitido pelo Ministério da Agricultura, o próprio órgão vai abastecer o sistema da Receita Federal de que aquela exportação vai acontecer. Então ele também empurra os dados para a Receita Federal e uma cópia desses dados é enviada de forma eletrônica para outros países, seguindo sempre padrões internacionais de interoperabilidade.
A terceira painelista foi Soha Mohamad Chabrawi, gerente de qualidade técnica da Fambras Halal, que explicou o funcionamento da plataforma Sys Halal e seu uso para a certificação halal.
Ela relembrou como se originou a certificação halal na empresa. Em 2019, a equipe de TI da Fambras observou que existia muita papelada para a emissão de certificados de embarque e certificados halal. E, nessa tentativa de diminuir a quantidade de papéis emitidos, foi feita essa proposta de estruturar uma certificação digital.
“Somos os pioneiros na tentativa de realizar essa certificação digital. Isso se alinha muito com o que a gente vem falando do ESG. Quando a gente pega o E do environment do ESG, ele é exatamente isso, esse cuidado com o meio ambiente. E o halal está extremamente alinhado com o ESG”, afirmou Soha. “Eu costumo falar que não é o halal que tenta se aproximar do ESG. É o contrário. O halal está aí há 1.500 anos. Todos esses cuidados com o meio ambiente, com a questão social, com a questão de governança são premissas muito fortes do halal. As melhorias do ESG é que se aproximam do que a gente tem no halal”.
Soha disse que toda essa questão de origem da certificação digital se alinha muito bem com a visão que a Fambras tem do ESG. E que a certificação digital não se dá só por essa questão ambiental. Ela oferece uma segurança na emissão do certificado, além de agilidade no processo de obtenção das informações que estão no certificado ou nas embalagens.
“Através de uma chave criptográfica, os clientes podem realizar transações eletrônicas de forma bastante segura. Com qualquer tipo de dispositivo — smartphone, computador ou tablet —, desde que tenha acesso à internet, há condições de acessar todas essas informações, por meio de um QR Code”, disse a gerente de qualidade técnica da Fambras.
É possível, por exemplo, por meio do QR Code, saber mais sobre o grupo que emitiu esse certificado, o país de origem, o número do pedido. O peso bruto, o peso líquido, a data de abate, a data de processamento, a validade do produto.
Todas essas informações estão casadas com o certificado de abate. Isso confere uma segurança muito grande ao cliente, porque demonstra que a certificação ali não é só uma questão de abate, mas de qualidade do produto, de transparência e de uma rastreabilidade que ele consegue ter com acesso às informações.
O último painelista foi Mohammed Alkaff AlHashmi, cofundador da Islamic Coin. Ele calcou sua exposição em processos de criatividade, inovação e transparência, como evolução do fornecimento de um valor e um serviço para a comunidade que segue os valores de finanças islâmicas e do ecossistema halal.
“Quando falamos sobre isso, o nosso principal objetivo é como capturar a confiança da comunidade se a comunidade não confia nesse ecossistema halal. Se nós não tivermos a comunidade com os seus próprios projetos, isso não crescerá mais. Isso está conectado com a confiança, com o suporte ao ecossistema como um todo”, disse AlHashmi.
O Global Halal é patrocinado por BRF, Marfrig, Minerva Foods, Laila Travel, Turkish Airlines e Embratur, tem parceria da Apex Brasil, Câmara Islâmica de Comércio, Indústria e Agricultura, União das Câmaras Árabes e Liga Árabe, e apoio da Halal Academy.