Antonio Darcio Valerio Filho
Muito se falou – e se tentou – sobre abandonar o mainframe. Empresas de todos os setores buscaram, nas últimas décadas, estratégias para migrar sistemas críticos para ambientes mais modernos e flexíveis. Algumas conseguiram, e, mesmo entre essas, muitas não o fizeram por ganhos técnicos, mas por reestruturações de negócio. A realidade é que o mainframe continua pulsando no coração de setores como o bancário, segurador, de telecomunicações e governo. E mais: continua tendo um valor estratégico por meio de soluções que combinam arquiteturas híbridas.
O ponto de virada está justamente no avanço de tecnologias que não apenas interpretam ou automatizam, mas que geram novas possibilidades. A IA – sobretudo em sua vertente generativa – começa a cumprir o que durante anos foi um gargalo para modernizações: compreender códigos legados, gerar documentação automática e propor novas soluções. A engenharia reversa, antes cara e arriscada, agora pode ser conduzida com mais agilidade, segurança e menor custo, abrindo caminhos para uma coexistência mais harmoniosa entre o novo e o antigo, explorando o melhor dos dois mundos.
Ainda assim, será que tudo precisa – ou deve – sair do mainframe? A capacidade de processamento massiva de um mainframe não vem apenas da velocidade de seus processadores, mas da sua arquitetura holística que integra hardware especializado, software otimizado, recursos de virtualização, redundância e gerenciamento de recursos de alta precisão, ideal para operações que não toleram latência e possuem alta demanda por processamento. Pense em fraudes bancárias detectadas em milissegundos ou em milhões de transações processadas em tempo real: nesses cenários, as arquiteturas modernas ainda possuem um desafio para alcançar alguns casos de uso.
Por outro lado, no passado, a dependência exclusiva do mainframe, embora essencial para a computação em larga escala, trouxe desvantagens importantes. Os altos custos de aquisição e manutenção limitavam a inovação e o acesso à tecnologia a poucas grandes organizações. A arquitetura monolítica tornava a adaptação e integração de novas tecnologias lentas e caras, inibindo a agilidade e a inovação disruptiva. Em resumo, apesar de seu papel fundamental, a centralização total no mainframe resultou em barreiras de custo, lentidão na inovação e desafios de interoperabilidade, que só foram superados com o surgimento de novas arquiteturas, como a computação distribuída e a nuvem.
Empresas que têm sucesso nessa jornada entendem que sair totalmente do mainframe – quando realmente necessário – exige mais do que uma decisão tecnológica: trata-se de um projeto estratégico, que envolve áreas de negócio, cultura organizacional e gestão do conhecimento. A modernização possível e desejável não deve ser encarada como uma ruptura tecnológica isolada, mas como uma estratégia corporativa. Os que tratam o abandono do mainframe como um projeto puramente de TI tendem a falhar. É necessário um olhar transversal, que envolva áreas de negócio, inovação e gestão de pessoas – até porque há uma lacuna crescente de profissionais especializados em linguagens como COBOL, e a formação desses talentos não vem mais do meio acadêmico. Empresas que investem em formar internamente esses perfis ganham não apenas conhecimento, mas fidelidade.
É aí que entra um novo vetor de transformação: a IA híbrida, que integra sistemas baseados em regras com aprendizado de máquina e IA Generativa, redefinindo operações críticas como DevSecAIOps. A capacidade de prever e evitar falhas, de identificar anomalias em tempo real e de automatizar manutenções coloca o mainframe como parte de arquiteturas resilientes e altamente responsivas – justamente o tipo de robustez que o mundo digital exige. A máxima “traga a IA até o dado, e não o dado até a IA” nunca fez tanto sentido.
O futuro da IA em ambientes híbridos também passa pelos modelos de linguagem especializados (SLMs), capazes de operar com eficiência em domínios específicos e, ao mesmo tempo, garantir privacidade e governança. Esses modelos viabilizam agentes autônomos – os chamados Agentes de IA – que executam tarefas com foco em objetivos, colaboram entre si e com sistemas legados, e ainda contribuem para preservar e transformar o conhecimento institucional das empresas.
E, embora ainda em estágio emergente, é impossível ignorar o papel potencial da computação quântica nesse horizonte. Com poder para resolver em segundos problemas que hoje exigiriam dias ou semanas, ela promete disrupções profundas em áreas como criptografia, previsão de risco e otimização de cadeias logísticas. Essa nova tecnologia gerará uma disrupção, transformando o cenário atual, porém vale a pena esperar?
A pergunta, portanto, não é se o mainframe vai acabar, mas sim como ele se integrará às novas camadas de inovação – IA Generativa, agentes autônomos, arquiteturas em nuvem e, futuramente, a computação quântica. Ou seja, a modernização do mainframe precisa ser pensada como uma ponte – não como um salto no escuro. A melhor resposta está em abordagens realistas, híbridas e orientadas ao negócio.
Há espaço para soluções que permitam a convivência entre o legado e o novo, principalmente quando se pensa em estratégias como o rehosting em nuvem, a criação de gêmeos digitais de mainframes e o uso de IA Generativa para acelerar o refatoramento de sistemas. O importante é que a decisão seja motivada por objetivos de negócio, não apenas por tendências tecnológicas. Porque, no fim, modernizar não é abandonar o passado, mas dar a ele um novo propósito.