Com o crescimento das apostas online confundidas com investimentos, especialista alerta para a urgência da educação financeira como ferramenta de proteção econômica e social
O avanço das apostas online, popularmente conhecidas como “bets”, tem gerado preocupações significativas no Brasil. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indicam que, entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros gastaram cerca de R$ 68 bilhões em apostas online . Além disso, uma pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) revelou que 22% dos brasileiros consideram as apostas uma forma de investimento. Esse cenário evidencia uma confusão preocupante entre jogos de azar e aplicações financeiras, ressaltando a necessidade urgente de educação financeira.
Segundo Alan Barizoni, educador financeiro, trader e fundador da B7 Investimentos, essa distorção afeta principalmente os jovens. “Hoje, muita gente com menos de 25 anos acredita que apostar em um jogo é igual a aplicar na Bolsa. Eles não distinguem risco de especulação. A aposta é emoção pura, enquanto o investimento é razão, análise e planejamento”, afirma. Ele ressalta que o vício em adrenalina tem substituído o foco em construção de patrimônio, gerando uma geração que busca retorno rápido sem desenvolver estratégia.
Para o trader, a chave está no entendimento profundo da lógica do dinheiro. “Investir exige consistência, conhecimento e visão de longo prazo. Já a aposta, por mais empolgante que pareça, é uma estatística cruel disfarçada de oportunidade. A casa sempre ganha. Quando a pessoa não sabe disso, ela vira o produto”. Segundo ele, sem educação financeira, o indivíduo não tem ferramentas para diferenciar um retorno sustentável de um golpe emocional.
A ausência de um currículo estruturado de educação financeira nas escolas brasileiras colabora com esse cenário. De acordo com uma pesquisa da fintech Onze, 59% dos brasileiros não sabem como organizar o próprio orçamento, o que os torna presas fáceis para promessas de ganho rápido, como as oferecidas por casas de apostas ou influenciadores digitais sem qualificação. “A educação tradicional nos ensinou a passar em provas, não a lidar com dinheiro. Isso cobra um preço altíssimo quando entramos na vida adulta”, pontua Barizoni.
Outro ponto preocupante é a falsa ideia de que se pode viver de apostas como se fosse uma profissão. “A palavra ‘trader’ virou moda, mas muitos não sabem que ser trader exige preparação técnica, controle emocional e gestão de risco, três pilares que não existem no universo das apostas”, afirma Alan. Ele alerta que essa glamorização das “bets” esconde uma realidade dura: endividamento, ansiedade, depressão e, em muitos casos, dependência de sempre continuar a apostar.
Além disso, há um impacto social pouco discutido: o aliciamento de jovens de baixa renda, que veem nas apostas uma escapatória da realidade econômica. “O marketing das casas de apostas é muito agressivo, e as promessas de enriquecer com poucos cliques são sedutoras para quem já não vê perspectiva”, diz Alan. Ele defende a regulamentação firme do setor, mas sobretudo, o fortalecimento da consciência crítica através da educação. “Não se combate esse fenômeno só com leis. É preciso mudar a mentalidade das pessoas, ensinar desde cedo o que é risco calculado e o que é armadilha”.
Programas de educação financeira como os promovidos por cooperativas de crédito e iniciativas como a “Semana ENEF” do Banco Central são passos importantes, mas ainda insuficientes. Para Alan, o ideal seria que cada jovem, ao sair do ensino médio, soubesse montar um orçamento, compreender juros compostos e diferenciar um ativo de uma especulação. “Se isso fosse ensinado como matemática ou português, o Brasil teria muito menos endividados e muito mais investidores conscientes”.
Ele também chama atenção para o papel da família e da internet. “Hoje, os jovens aprendem mais sobre dinheiro no TikTok do que na escola. E o conteúdo que aparece lá, em geral, é superficial ou sensacionalista. Por isso, é fundamental que pais, professores e influenciadores comprometidos assumam o papel de educar com responsabilidade”.
Em um país marcado por desigualdade e baixa inclusão financeira, a epidemia das apostas digitais é um reflexo de uma lacuna muito maior. Educação financeira não é luxo, é necessidade básica. Como conclui Alan Barizoni: “A gente precisa parar de vender sonhos rápidos e começar a ensinar estratégias sólidas. Só assim o brasileiro vai deixar de apostar para começar, de fato, a investir”.