Especialistas debatem os riscos iminentes do verão e a necessidade de ações imediatas para lidar com as vulnerabilidades das cidades
O evento “Está Chegando o Verão”, realizado em 5 de novembro de 2024 na Academia Paulista de Letras, em São Paulo, promoveu um debate crucial sobre os riscos de desastres naturais associados às chuvas intensas no verão. Organizado pelo Sindicato das Seguradoras de São Paulo (Sindseg SP), Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a própria Academia, o evento trouxe reflexões sobre a importância da preparação e do papel do setor de seguros na mitigação desses riscos.
Líderes ressaltam a urgência de ações preventivas
A abertura foi conduzida por Antonio Penteado Mendonça, presidente da Academia Paulista de Letras, juntamente com Rivaldo Leite, presidente do Sindseg SP, e Carlos Queiroz, diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Em suas falas, os líderes destacaram a importância de um planejamento sólido para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Já José Goldemberg, físico renomado e ex-ministro, foi o keynote speaker do evento, destacando a importância das ações de curto prazo.
Urbanização e desastres naturais
No painel “Mudanças climáticas, urbanização e desastres naturais”, especialistas discutiram os riscos iminentes do verão e a necessidade de ações imediatas para lidar com as vulnerabilidades das cidades, especialmente no eixo Rio-São Paulo. Moderada por Fátima Mendes, diretora de Sustentabilidade da MAPFRE, a discussão trouxe uma análise do atual cenário urbano e da importância de uma mentalidade coletiva voltada para a prevenção.
Educação e conscientização: base da prevenção climática
Roberto Farina, representante da Defesa Civil, destacou que a população ainda não tem plena consciência da emergência climática. Ele enfatizou a importância de um trabalho educacional contínuo, que deve começar desde cedo. “Estamos trabalhando desde as escolas, com o apoio da imprensa, para construir uma base sólida de conscientização”, afirmou. Para ele, as recentes tragédias, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, devem servir como aprendizado e reforço para uma mudança cultural mais ampla. “A sociedade precisa entender a gravidade da situação para que haja uma verdadeira mudança de mentalidade”, completou Farina.
Cultura de prevenção: um desafio nacional
Pedro Camarinha, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), compartilhou uma visão similar, destacando a falta de uma cultura de prevenção no Brasil. “A sociedade brasileira precisa despertar para a importância da prevenção”, disse Camarinha. Ele ressaltou que a prevenção ainda não é prioridade para muitos cidadãos e que essa falta de proatividade pode aumentar as consequências dos eventos climáticos extremos. Segundo ele, sem um esforço coletivo para estabelecer medidas preventivas, como monitoramento e alertas, o impacto dos desastres naturais tende a ser mais devastador.
Acompanhamento e implementação de planos ambientais
Aline Lopes, representante da Secretaria de Meio Ambiente do governo estadual do Rio de Janeiro, ressaltou que a criação de planos é apenas o primeiro passo e que é fundamental assegurar a implementação e o monitoramento das ações. “Um plano por si só não é suficiente se não houver acompanhamento da implementação, indicadores claros e monitoramento da efetividade dessas ações”, analisou Aline. Ela apontou que o governo do Rio de Janeiro, em parceria com outras cidades, tem investido em planos de adaptação e em soluções baseadas na natureza, buscando inserir práticas sustentáveis em projetos de engenharia e arquitetura.
“Além de elaborar planos, nosso compromisso é com o acompanhamento contínuo. Precisamos garantir que as soluções planejadas sejam realmente efetivas e estejam alinhadas ao desenvolvimento sustentável”, acrescentou Aline. A especialista explicou que a Secretaria de Meio Ambiente tem promovido o conceito de “soluções baseadas na natureza”, que integram ecossistemas locais e trazem benefícios não apenas ambientais, mas também sociais e econômicos, em uma abordagem mais integrada e sustentável.
Mudança necessária e urgente
O painel encerrou-se com um consenso entre os palestrantes sobre a urgência de ampliar a conscientização pública e integrar a prevenção de desastres como uma prioridade nacional. Segundo Farina, Camarinha e Lopes, o caminho para enfrentar os desafios climáticos passa pela união de esforços entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil. Somente por meio de uma cultura de prevenção e de políticas públicas robustas será possível mitigar os efeitos dos desastres naturais, que se tornam cada vez mais intensos com o avanço das mudanças climáticas.
Relevância dos seguros
A importância dos seguros foi mencionada pelos especialistas como um aliado fundamental nesse processo, oferecendo proteção financeira para pessoas e patrimônios, complementando as ações de gestão de riscos e prevenção realizadas pelos governos e pela sociedade.
Com o aumento das temperaturas e das chuvas, os desafios da urbanização e das vulnerabilidades no verão reforçam a necessidade de políticas eficazes e de uma mudança de comportamento da população, com foco na preservação de vidas e do meio ambiente.
São Paulo enfrenta desafios para a prevenção de desastres em grandes centros
No segundo painel do evento, intitulado “São Paulo: desafios e medidas de prevenção de desastres em grandes centros”, especialistas analisaram as estratégias adotadas para lidar com a crescente vulnerabilidade climática da cidade. Cristina Barros, diretora de Sustentabilidade e Relações de Consumo da CNseg, destacou a importância de eventos como este para aproximar quem tem o poder de agir e influenciar. “O que chamamos de ‘out-shopping de realidade’ é uma oportunidade de unir quem está agindo, observando e quem tem capacidade de agir, como as seguradoras”, comentou Cristina, explicando a motivação para a criação do evento.
José Renato Nalini, secretário de Mudanças Climáticas de São Paulo, expôs as iniciativas que a cidade vem implementando para enfrentar as mudanças climáticas. Segundo ele, o prefeito Ricardo Nunes está empenhado em sensibilizar a população e implementar um plano de ação climática que busca soluções de curto, médio e longo prazos. “Elaboramos um plano ambicioso, com 43 estratégias e 56 ações específicas. Já estamos colocando algumas em prática e acompanhando os resultados”, explicou Nalini, reforçando que São Paulo precisa atuar tanto na mitigação quanto na adaptação às mudanças climáticas.
Ele também enfatizou que a cidade está trabalhando para reduzir suas emissões e, embora reconheça que a solução depende de um esforço global, destaca que São Paulo está fazendo sua parte. “A cidade tem quase 13.000 emissores, mas estamos avançando, como no projeto de expansão da frota de ônibus elétricos de 400 para 2.400 veículos. Precisamos de um compromisso que vá além das fronteiras do município”, citou Nalini.
Outro ponto de destaque foi a gestão de resíduos, com Nalini mencionando que apenas 3% do lixo de São Paulo é reciclado atualmente. Ele pontuou que a prefeitura tem investido pesado em obras de infraestrutura para reduzir os impactos das chuvas intensas, como muros de contenção, desobstrução de bueiros e jardins de chuva, somando um investimento de R$ 10 bilhões nos últimos três anos.
Impacto das mudanças climáticas no litoral e a necessidade de conscientização
João Lara Mesquita, jornalista especializado na deterioração do litoral, trouxe uma visão preocupante sobre os impactos das mudanças climáticas nos oceanos e na costa brasileira. Ele destacou que, apesar da urgência, o bioma marinho ainda é visto apenas como um “ambiente de passeio” pela maioria da população. “Precisamos olhar para o oceano com mais responsabilidade, nossa costa está em frangalhos”, declarou Mesquita, alertando que desastres como o ocorrido no carnaval de 2023 no Litoral Norte de São Paulo poderão se tornar mais frequentes.
Mesquita também expressou entusiasmo pelo debate proporcionado pelo evento, destacando a importância de incluir o bioma marinho nas discussões sobre prevenção de desastres e mudanças climáticas. Segundo ele, as seguradoras desempenham um papel fundamental na conscientização pública, ajudando a promover uma cultura de responsabilidade individual e coletiva.
Rio de Janeiro e os desafios da urbanização na temporada de chuvas
No terceiro painel do evento, intitulado “Rio de Janeiro: urbanização, planejamento e vulnerabilidades na temporada de chuvas”, especialistas voltaram suas atenções para os desafios específicos que o estado do Rio de Janeiro enfrenta com a chegada das chuvas intensas de verão. Moderado por João Rabelo, diretor de Novos Negócios do IRB, o painel trouxe discussões sobre estratégias de mitigação e o papel fundamental das seguradoras na proteção da sociedade e do patrimônio.
Daniele Amaral, chefe do Serviço de Risco de Inundações e Segurança de Barragens do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), ressaltou a importância do trabalho contínuo em áreas de risco para evitar desastres catastróficos. Segundo Daniele, o Rio de Janeiro possui um histórico de tragédias relacionadas a enchentes e deslizamentos, o que torna a preparação para a temporada de chuvas uma prioridade estadual.
Dr. Victor Marchenzini, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Desastres da Unesp, apresentou as lições aprendidas com o “Projeto Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos (Projeto Cope)”, realizado na região serrana do Rio.
Integração de riscos climáticos e sustentabilidade
Silvio Trida, gerente executivo de Estratégia e Sustentabilidade da Caixa Seguridade, trouxe uma perspectiva fundamental sobre a integração dos riscos climáticos no setor de seguros. Ele compartilhou que a política de sustentabilidade da empresa foi desenvolvida para orientar a criação de produtos e serviços que levem em conta os riscos de sustentabilidade, incluindo riscos físicos, de transição e de litígio.
Além disso, Trida mencionou que o setor de seguros deve estabelecer critérios claros de seleção de investimentos, priorizando ativos que adotem boas práticas de governança corporativa. “A sustentabilidade deve ser expressa em todas as etapas, desde a criação até o reporte. Nosso Relatório de Sustentabilidade é um instrumento crucial para induzir melhores práticas e transparência, tanto internamente quanto para o público”, concluiu Trida, reforçando o papel das seguradoras na promoção de uma cultura de prevenção e adaptação climática.
O painel encerrou-se com um consenso entre os especialistas sobre a necessidade de políticas de longo prazo e cooperação entre o setor público e privado para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no Rio de Janeiro.
Importância de uma cultura de prevenção
Nas considerações finais do evento “Está Chegando o Verão”, Cristina Barros, diretora de Sustentabilidade e Relações de Consumo da CNseg, destacou a necessidade de uma cultura de prevenção que incorpore educação, infraestrutura e soluções baseadas na natureza. Em suas palavras, a tecnologia, como o uso de celulares e redes sociais, pode auxiliar na disseminação dessa cultura de risco e proteção. “O Brasil, como um dos maiores emissores globais, tem uma responsabilidade importante. Precisamos fortalecer os sistemas de alerta e prevenção, mas também investir em infraestrutura e educação”, projetou Cristina, reforçando que as seguradoras têm um papel crucial em promover uma sociedade mais resiliente.
Cristina demonstrou que, além de respostas emergenciais, o país precisa consolidar uma cultura que aborde os riscos de forma preventiva e sustentável. “Esse é um compromisso do setor: fomentar ações que promovam uma consciência de proteção e educação. Chame como quiser – defesa, educação ou referência –, mas é essa cultura que queremos fortalecer e expandir”, contou.
Evento confirmado em 2025
Antônio Penteado Mendonça, presidente da Academia Paulista de Letras, aproveitou o encerramento para anunciar que o evento deverá se tornar anual, com a próxima edição programada para setembro de 2025. Ele revelou que a intenção é transformar o encontro em uma preparação para a COP 30, prevista para acontecer no Brasil em 2025. “Nossa ideia é contribuir de forma efetiva para as discussões na COP, ajudando a consolidar o Brasil como um protagonista nesses debates climáticos”, sinalizou Mendonça.
Mendonça fez críticas à atual situação do Brasil em relação à preparação para a COP 30, mencionando que Belém, cidade escolhida para sediar o evento, ainda enfrenta grandes desafios logísticos. Segundo ele, “o governo brasileiro está sem respostas claras sobre o que apresentará na COP 30, e o país, infelizmente, está atrasado em termos de compromissos ambientais, com destruição crescente em biomas como a Amazônia e o Pantanal”.
Ele reforçou que a proposta do evento não é apenas apontar falhas, mas apresentar sugestões concretas para melhorias. “A crítica é válida quando traz consigo propostas de solução. Nosso objetivo é justamente criar um espaço de diálogo que vá além da crítica, que promova sugestões práticas e viáveis”, ponderou Mendonça. Ao finalizar, ele agradeceu o apoio e a presença de todos, reafirmando o compromisso de fortalecer o evento como um espaço de reflexão e avanço no tema das mudanças climáticas e gestão de desastres.