Os cirurgiões-dentistas atuam de forma interdisciplinar para proporcionar um cuidado integral dos pacientes
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um dado que informa que 4,7% dos brasileiros sofrem de compulsão alimentar. O dado representa quase o dobro da média global, que é equivalente a 2,6%. Segundo o Hospital da Universidade de São Paulo (HUSP), o transtorno alimentar atinge cerca de 15 milhões de brasileiros.
A presidente da Câmara Técnica de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), Dra. Juliana Franco, explica que a Odontologia tem um impacto necessário no tratamento de pacientes com Transtornos Alimentares (TA), como anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno da compulsão alimentar periódica. De acordo com a especialista, eles integram o grupo da Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (OPNE) devido à complexidade de suas manifestações sistêmicas, comportamentais e bucais.
A Dra. Juliana esclarece também que o cirurgião-dentista atua de forma interdisciplinar, em conjunto com psicólogos, nutricionistas, médicos clínicos e psiquiatras, para proporcionar um cuidado integral.
“O cirurgião-dentista, dentro da atuação da OPNE, deve desenvolver habilidades comunicacionais empáticas, não estigmatizantes e respeitosas, criando um ambiente seguro e acolhedor. O vínculo terapêutico é um fator protetor importante, devendo-se evitar reforços negativos associados à aparência bucal ou à condição sistêmica do paciente”, reforça a profissional.
Também é importante que o profissional saiba identificar riscos psíquicos do paciente, como comportamento autolesivo, ideação suicida ou agravamento do quadro alimentar, complementa a profissional.
O transtorno alimentar pode causar uma série de efeitos na saúde bucal. O integrante da Câmara Técnica de Dentística do CROSP, Dr. Camillo Anauate Netto, convidou a Prof. Gabriella Reis Miranda Nicolellis, especialista em Dentística, para explicar que os sinais mais comuns são: o desgaste dental generalizado; a mudança na cor dos dentes, que tendem a ficar mais amarelados por conta da perda do esmalte; a sensibilidade dentinária de alimentos ácidos, doces e gelados; e a mudança no formato dos dentes.
Entre as principais queixas de quem sofre com transtorno alimentar estão as dores nos dentes ao comer ou beber, a vergonha do sorriso, a sensação de dentes mais fracos e dor ao escovar os dentes. Essas queixas são causadas pelos ácidos na boca e pela falta de nutrientes, afirmam os especialistas da Dentística.
O transtorno alimentar também causa efeitos negativos na saúde bucal em decorrência da perda de esmalte dos dentes, além de provocar mau hálito, aumentar o risco de cárie e gerar maior propensão à fragilidade dos dentes, com inflamação e retração da gengiva.
Problemas salivares provocam impacto na saúde bucal de quem tem TA. A integrante do Grupo de Trabalho de Saliva do CROSP, Dra. Débora Heller, explica que a saliva das pessoas nessas condições, sobretudo com anorexia e bulimia nervosa, costumam apresentar alterações importantes – de quantidade e composição da saliva.
A boca seca é um dos efeitos mais comuns de quem tem TA, e pode ocorrer por diversos fatores: desidratação, deficiência nutricional, pelo uso de medicamentos (como diuréticos e antidepressivos), alterações hormonais e metabólicas causadas pela restrição alimentar ou episódios de vômito autoinduzido, bem como distúrbios psicológicos
Além da redução do fluxo salivar, estudos mostram que pacientes com bulimia nervosa apresentam atividade aumentada de enzimas na saliva, como amilase salivar, proteases, colagenase e até pepsina, enzimas que desgastam o esmalte dental após episódios de vômito.
“As alterações na saliva podem agravar ainda mais os danos causados pelos transtornos alimentares. A saliva tem função protetora fundamental para os dentes e tecidos bucais. Ela neutraliza ácidos, protege contra bactérias e participa da remineralização do esmalte”, orienta a Dra. Débora Heller.
Para o restabelecimento de quem passa por um transtorno alimentar, o cirurgião-dentista irá aplicar flúor para proteger os dentes, laserterapia, indicação de cremes dentais com alta quantidade de flúor, realizará quando necessário restaurações ou coroas para recuperar a forma e a função dos dentes e também dará orientações sobre a higiene bucal e alimentação.
“Hoje estamos vivendo uma” epidemia silenciosa” do corpo perfeito, sob os efeitos das canetas emagrecedoras milagrosas. Muitas vezes, essa pressão por seguir o padrão estético da era digital provoca distúrbios no comportamento alimentar, levando a transtornos que afetam não só o corpo, mas também a saúde mental e a saúde bucal. O cirurgião-dentista, nesse cenário, tem papel essencial tanto no diagnóstico precoce quanto na recuperação da saúde do paciente”, alertam os profissionais Dr. Camilo Anauate e a Dra. Gabriela Reis.