Para alguns críticos, Erasmo Carlos foi apenas o grande amigo e maior parceiro do “rei” Roberto Carlos. Mas a extensa obra do "Tremendão'', que morreu nessa terça-feira (22) aos 81 anos, torna-o merecedor de todas as numerosas e emocionadas homenagens que recebeu de artistas e críticos musicais, que acompanharam sua longa trajetória de sucesso.
O consagrado artista morreu de uma doença pouco conhecida: síndrome edemigênica, que provocou a acumulação de líquidos nos tecidos. Em virtude disso, o cantor passou vários dias internado e chegou a receber alta, com muitas manifestações de solidariedade.
Erasmo Carlos deixa, contudo, seu nome consagrado como um dos precursores do rock nacional, influenciado pelo fenômeno Elvis Presley. Assim, notabilizou-se por ser um dos criadores do movimento musical que abalou o Brasil, a partir dos anos 60: a Jovem Guarda.
Trajetória
“Erasmo Esteves”, que nasceu no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, compôs mais de 600 músicas em toda a sua carreira. Ele estava longe de ser considerado um artista decadente ou que se resignava a viver à sombra do sucesso de Roberto Carlos.
Desde que estreou com a banda Sputnik, em 1957, ao lado de Roberto Carlos e de outro grande amigo, Tim Maia, que lhe ensinara tocar violão, Erasmo Carlos não parou de colecionar amigos e parceiros musicais. A banda Sputnik se transformaria em Snakes (cobras, em inglês)
Frederico Tomé, psicanalista, historiador e doutor em Ciências Sociais, destaca que o movimento cultural da Jovem Guarda, consolidado na década de 1965, por meio do programa televisivo Jovem Guarda exibido pela TV Record, representou uma transformação no movimento cultural brasileiro.
Comandado por Erasmo, Roberto Carlos e Wanderléa, o programa de auditório já vinha de um certo padrão radiofônico, mas na televisão assumia novas configurações. “Um Brasil de 1965, pós golpe de 64, onde um certo assunto político trazia consequências. Então era um programa destinado à massa que começava a acompanhar as novas tendências do rock que se produzia no ocidente, especificamente nos Estados Unidos e Inglaterra. Estavam preocupados em viver, curtir a vida, uma juventude ávida, pra uma experiência, uma urgência de vida”, explica o historiador.
Por embalarem canções românticas numa época de repressão política, Erasmo e Roberto sempre foram alvos de preconceito por parte da mídia e de críticos musicais, por não envolverem temas polêmicos nas canções, que geralmente falavam de amor e encantavam a juventude da época.
Além disso, segundo o historiador Frederico Tomé, o movimento da Jovem Guarda foi inovador, já que também abordava o mundo urbano e industrial. “[Tem] muitas músicas do Roberto, Erasmo que cantam sobre esses automóveis, essa velocidade. Isso chegando até os cinemas. E as produções cinematográficas que eram decorrentes desse sucesso. Então a Jovem Guarda é música, televisão, cinema”, afirma.
Em outubro deste ano, Erasmo Carlos foi o vencedor do Grammy latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa, com o título “O futuro pertence à Jovem Guarda”, lançado em fevereiro deste ano. O disco reúne canções lançadas entre 1964 e 1966.
Antes dessa premiação recente, Erasmo Carlos também venceu o Grammy de 2014, com o melhor álbum de rock e de música alternativa, em 2014. Ou seja, ao contrário do que sugere o título de uma de suas músicas mais conhecidas, o cantor carioca, nascido no bairro da Tijuca, nunca foi de ficar “sentado à beira do caminho”. Foi um inquieto protagonista, em constante movimento.
Erasmo Carlos também fez muito sucesso com a música “Minha fama de mau”, que virou título de um livro autobiográfico _ e também um filme. Essa suposta “fama” sempre gerou muitas brincadeiras entre os seus amigos e parceiros. A curiosidade era que o artista sempre foi reconhecido pela generosidade e companheirismo.
Nos últimos anos, a homenagem ao universo feminino que Erasmo Carlos fez na canção “Mulher” lhe garantiu enorme sucesso. O cantor, que teve três filhos (um deles morreu em acidente de moto), só conheceu o pai aos 23 anos. Era filho de mãe solteira. Mas nunca abandonou o bom humor, como quando numa entrevista na tevê lamentara ter um corpo grande, “mas uma voz pequenina”.
Despedida
Ao lamentar publicamente a morte do amigo, Roberto Carlos demonstrou toda sua admiração pelo antigo parceiro: “Não sei como dizer tudo o que eu penso do meu amigo querido, um grande irmão, meu ídolo por tudo, pela lealdade, sua inteligência, bondade, por tudo que eu conheço dele”.
No começo do mês, ao comemorar o prêmio que recebera de melhor álbum do ano, Erasmo Carlos exaltou, em rede social, talvez a sua forma de encarar a vida, até aquele momento, quando já enfrentava a doença fatal: ”Existem várias formas de amor, e eu preciso de todas”.
Certamente, os eternos fãs de Erasmo Carlos ainda lembrarão do ídolo por muito tempo, como um artista talentoso e sensível, que soube cultivar o amor e a amizade, em sua plenitude.