Para Virgilio Marques dos Santos, bem-estar profissional depende de propósito, pertencimento e progresso, não apenas de remuneração ou ambiente descontraído
Com o avanço dos casos de burnout e a judicialização crescente, a discussão sobre felicidade no trabalho deixou de ser periférica e passou a ocupar o centro das preocupações de empresas e trabalhadores. Dados da WTW mostram que 23% dos trabalhadores relatam níveis elevados de estresse relacionados ao trabalho, o que está diretamente ligado ao bem-estar físico, emocional e financeiro.
Além disso, as ações trabalhistas por burnout cresceram 14,5% entre janeiro e abril de 2025, com pedidos de indenização que somam um passivo de R$ 3,75 bilhões para as empresas, segundo levantamento recente do escritório Trench Rossi Watanabe, divulgado pela Folha de S. Paulo.
Apesar da relevância, o tema ainda costuma ser tratado de forma superficial, limitado a benefícios como ambientes descontraídos ou eventos pontuais. Para especialista em carreira, essa é uma visão restrita. “Felicidade no trabalho não é sobre mesa de sinuca ou café gourmet. Também não se resume à ideia de ‘fazer o que ama’, já que a maioria das pessoas não teve esse luxo. O que se busca, na prática, é um ambiente em que seja possível trabalhar sem adoecer e com perspectiva de crescimento“, afirma Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria, gestor de carreiras e PhD pela Unicamp.
Segundo ele, a psicologia organizacional identifica três fatores centrais para o bem-estar no trabalho: propósito, pertencimento e progresso. “Propósito é perceber relevância no que se faz. Pertencimento está ligado a integrar uma equipe em que há respeito e cooperação. Já o progresso envolve aprender, evoluir e ser reconhecido, inclusive financeiramente”, explica Santos.
A ausência de um desses elementos, acrescenta, tende a impactar diretamente a motivação e a saúde do profissional. Mas isso não significa que apenas trabalhos criativos ou de alta remuneração podem trazer satisfação. “Há quem atue por anos em funções operacionais e se sinta realizado porque entende a importância do próprio trabalho. Em contrapartida, há executivos em posições de prestígio que enfrentam frustração pela falta de clareza sobre seu papel ou pela ausência de perspectivas de evolução”, analisa.
Outro ponto relevante está na qualidade das relações dentro da empresa. “O ambiente de trabalho é determinante. Locais que incentivam cooperação, escuta e reconhecimento favorecem a permanência e o engajamento. Já contextos com ausência de diálogo ou práticas desrespeitosas acabam enfraquecendo qualquer esforço de motivação”, diz o especialista.
Para quem não pode mudar de emprego imediatamente, Santos recomenda movimentos graduais, como fortalecer conexões dentro da equipe, buscar aprendizado contínuo e desenvolver competências valorizadas. “Pequenas iniciativas podem reposicionar o profissional e abrir portas no médio prazo, seja dentro da própria organização ou em futuras transições de carreira”, afirma.
No que diz respeito à remuneração, o especialista reconhece sua relevância, mas ressalta que ela não é o único elemento. “O salário é essencial, claro, mas o que sustenta a motivação é perceber que o esforço atual contribui para construir algo melhor no futuro. Não se trata de estar feliz todos os dias, mas de saber que há um sentido por trás da rotina“, conclui.
Ao mesmo tempo em que os processos por burnout crescem e o estresse se torna uma das principais queixas dos trabalhadores, repensar propósito, pertencimento e progresso deixa de ser apenas uma questão de engajamento — e passa a ser uma estratégia de sustentabilidade para empresas e carreiras.