Confira artigo de Dorival Alves de Sousa, advogado, corretor de seguros, diretor do Sindicato dos Corretores de Seguros no Distrito Federal (Sincor-DF) e delegado representante da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor) junto a CNC
O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu novo marco jurídico para o mercado segurador brasileiro ao decidir que valores resgatados de seguros de vida (Seguro de Vida Resgatável) perdem a proteção contra penhora. A decisão da Terceira Turma, proferida no Recurso Especial nº 2.176.434-DF em 2 de setembro de 2025, equipara o resgate em vida a um investimento comum, sujeito à execução por dívidas.
A decisão unânime, relatada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, resolve antiga controvérsia jurídica sobre a natureza híbrida dos seguros de vida resgatáveis. O entendimento consolida que, uma vez efetuado o resgate pelo próprio segurado, o valor perde o “carimbo” de proteção securitária e se incorpora ao patrimônio geral do devedor.
O artigo 833, inciso VI, do Código de Processo Civil, que estabelece a impenhorabilidade dos seguros de vida, continua válido para sua finalidade original. A proteção foi criada para garantir a dignidade humana dos beneficiários, que dependem desse valor em momento de vulnerabilidade após a morte do segurado.
A natureza alimentar da indenização visa “proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos”, conforme precedente do Ministro Moura Ribeiro no REsp 1.361.354/RS. A regra protege o futuro financeiro dos beneficiários, não o patrimônio do próprio segurado contra credores.
O seguro de vida resgatável possui características que sempre geraram dúvidas no Judiciário. O prêmio pago pelo segurado é dividido: uma parte cobre o risco de morte, enquanto outra é capitalizada como fundo de investimento. Após período de carência, o segurado pode resgatar valores mesmo sem ocorrência do sinistro.
Esta característica dupla criava incertezas sobre a aplicação integral da proteção legal. Parte do dinheiro funcionava como reserva financeira pessoal, assemelhando-se a outras formas de investimento, conforme destacou o voto do relator.
A Terceira Turma definiu que o ato de resgate é o fator descaracterizador da proteção. O STJ foi categórico: “uma vez efetuado pelo próprio segurado (proponente) o resgate do capital investido, já não se pode alegar a impenhorabilidade desse valor”.
O dinheiro resgatado deixa de ter finalidade securitária ou alimentar para os beneficiários, transformando-se em ativo penhorável como qualquer saldo em conta corrente ou fundo de investimento. A proteção, reiterou a Corte, destinava-se aos beneficiários, não ao estipulante.
A decisão traz clareza ao mercado, estabelecendo limite preciso para a proteção do seguro de vida. Adapta a legislação a produtos financeiros mais complexos, mantendo a impenhorabilidade para indenizações por morte destinadas aos beneficiários.
É importante destacar que seguros de vida inteira com formação de reserva matemática continuam disponíveis. Após período de carência, segurados podem solicitar resgate parcial das contribuições, mas agora com consciência das implicações legais.
A decisão do STJ representa evolução jurisprudencial que acompanha a sofisticação dos produtos securitários. Credores ganham mais segurança para execução de dívidas, enquanto o mercado obtém regras claras para produtos híbridos.
Para segurados, a orientação é clara: valores mantidos na apólice preservam proteção legal, mas resgates transformam recursos em patrimônio comum. A decisão não altera a proteção aos beneficiários, mantendo a função social fundamental dos seguros de vida no sistema financeiro brasileiro.
A unanimidade da decisão do STJ e o detalhamento técnico da fundamentação indicam consolidação deste entendimento na jurisprudência superior, oferecendo marco regulatório definitivo para o setor.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp nº 2.176.434-DF
Terceira Turma, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva
Decisão: 02 de setembro de 2025