Práticas de benchmarking no setor de recursos humanos, envolvendo o compartilhamento de salários e benefícios entre empresas, têm atraído a atenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). No entendimento do órgão, a troca dessas informações, se feita de maneira errada, pode criar um ambiente de restrição competitiva que prejudica tanto os trabalhadores, ao limitar suas oportunidades de negociação salarial, quanto o mercado como um todo, ao distorcer as condições naturais de oferta e demanda.
A atenção do Cade sobre as práticas de benchmarking em RH ganhou força em 2021, com o caso MedTech, um grupo em que empresas compartilhavam informações relacionadas a salários e benefícios. O caso começou por um acordo de leniência e evidenciou a fragilidade na governança dessas trocas, colocando em alerta empresas e profissionais do setor. Atualmente, há quatro investigações em andamento, analisando condutas de dezenas de RHs que podem ser interpretadas como troca de informações sensíveis ou mesmo cartel.
Além das empresas, os profissionais de RH que participam dessas trocas também podem ser responsabilizados. Para as organizações, pode haver multas de 15% a 20% do faturamento anual. Já para os profissionais envolvidos, é possível que haja penalidades criminais, variando de 2 a 5 anos de reclusão.
Para Patricia Barboza, advogada especializada em Direito Trabalhista e sócia do CGM Advogados, é importante sensibilizar o mercado sobre como realizar benchmarking de maneira efetiva e segura, pois muitos profissionais não têm consciência do risco que estão correndo.
“Não é preciso acabar com os grupos. Em geral, o benchmarking é uma prática que ajuda o mercado. Mas, para isso, é preciso seguir certas regras. Por exemplo, o compartilhamento de informações deve ser feito da maneira mais agregada e menos detalhada possível, sem identificar pessoas ou cargos”, afirma Patricia, destacando que o tema é relativamente novo e que ainda é difícil prever como será o posicionamento das autoridades sobre a questão.
Dicas práticas para benchmarking seguro
Para garantir que as práticas de benchmarking sejam realizadas de forma ética e dentro da lei, a especialista do CGM Advogados lista 10 dicas para garantir o alinhamento das empresas e dos profissionais de RH com as melhores práticas:
- Use dados agregados e anonimizados: sempre forneça informações consolidadas, como faixas salariais médias, evitando a granularidade que possa identificar cargos ou indivíduos. Detalhar por posições como “Vendedor I” ou “Vendedor II”, por exemplo, pode ser mal interpretado pelos órgãos competentes. O anonimato é sempre uma boa prática.
- Estabeleça governança: Crie regras e protocolos claros para a troca de informações pelos colaboradores. Inclua a assinatura de termos de não compartilhamento e a moderação em grupos de discussão. Estabeleça também onde essas informações serão armazenadas, por quanto tempo e como serão eliminadas.
- Implemente controle de acessos: Restrinja o acesso às informações sensíveis a profissionais capacitados, garantindo que dados sejam analisados e apresentados de forma segura. Por exemplo, a pessoa responsável pelo acesso deve ser a mesma que analisa, agrega os dados e prepara relatórios consolidados e passa para o gestor.
- Treine a equipe: Capacite os profissionais de RH para lidarem com informações sensíveis e para reconhecerem os riscos associados ao compartilhamento inadequado. É preferível que a participação nos grupos seja feita por analistas juniores para criar um distanciamento com a liderança e cargos sêniores.
- Priorize fontes públicas: Use relatórios de consultorias independentes que fornecem dados agregados e anonimizados para definir políticas salariais e de benefícios.
- Procure suporte jurídico: Na dúvida, consulte o departamento jurídico da empresa para avaliar a segurança das trocas de informações.
- Evite exclusões ou apagamentos: Não apague mensagens de grupos ou e-mails relacionados ao benchmarking. Isso pode ser interpretado como tentativa de ocultação de informações.
- Cuidado com mensagens e respostas: Seja claro ao responder solicitações de dados. Caso não possa fornecer informações específicas, indique que enviará dados consolidados de períodos anteriores, recortes gerais ou simplesmente diga que não conseguirá contribuir com as informações solicitadas.
- Atenção ao fluxo das mensagens: Cuidado com a linguagem: “Às vezes, um “idem” respondido a uma pergunta enviada 50 mensagens atrás pode ser distorcido. Se concorda com aquilo, que você contribuiu”, alerta Patricia.
- Reflita sobre a exposição: Pergunte a si mesmo: “Se isso sair no jornal, eu me orgulharia ou sentiria vergonha de ter participado?” Essa reflexão ajuda a evitar práticas que possam ser mal interpretadas.