Com a Lei 213/2025 (que revoga o Decreto 73/66), o ecossistema de seguros entra em um novo marco regulatório. Na prática, associações de proteção veicular (APVs) e cooperativas estão diante de uma escolha estratégica: permanecer como estão (com adequações), se reorganizar como cooperativa de seguros ou pedir autorização para operar como seguradora – em geral, no porte S3/S4.
Neste artigo, condensamos – em linguagem direta – os pontos críticos abordados por Renato Bernardes (CEO da R2 Finance) no Podcast Universo do Seguro, com foco em como decidir e como executar.
O que de fato mudou
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A Lei 213/2025 inaugura um novo marco legal e atrai novos players (associações e cooperativas) para o perímetro formal do mercado.
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Segundo Bernardes, 165 entidades já buscaram cadastro na Superintendência de Seguros Privados (SUSEP); há mais de mil no país, e parte ainda avalia como operar adiante.
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O recado central do regulador: quem assume risco de seguro precisa seguir normas de seguro – contabilidade padronizada, provisões técnicas, governança e capacidade de capital.
As três rotas na mesa
Rota A – Permanecer como associação (com adequações)
Algumas entidades avaliam operar sob uma administradora e ajustar processos (contratos, governança, compliance). Atenção: se a essência do produto for seguro, a SUSEP exigirá padrões de seguro (contabilidade, atuária, provisões, capital).
Rota B – Reorganizar-se como cooperativa de seguros
Mantém a lógica de superávit (e não lucro distribuído a “donos”), reforça o patrimônio e a reserva para suportar riscos crescentes. Continua altamente regulada quanto a provisões, solvência e liquidez.
Rota C – Virar seguradora S4 (ou S3, a depender do porte)
É o caminho mais regulado e estável para quem quer escala. Exige:
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Autorização da SUSEP e capital regulatório compatível com o escopo de produtos/risco.
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Dois diretores (ao menos um com experiência comprovada em seguros).
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Comprovação da origem do capital e capacidade financeira dos controladores (não basta aportar; é preciso demonstrar lastro adicional).
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Contabilidade padrão SUSEP e responsável técnico atuário para provisões.
Nota de rota: Na visão de Bernardes, quem pretende “começar direitinho” tende a encaixar em S3 ou S4, a depender do portfólio e do apetite de risco.
O coração financeiro: provisões, solvência e “colchão” de reservas
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PPNG (Provisão de Prêmios Não Ganhos): “trava” a receita enquanto o risco estiver vigente; empurra o lucro para frente e ajuda no IR (evita “forçar” resultado logo no 1º ano).
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Provisões de sinistros: avisados e não avisados (prudenciais).
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Solvência e liquidez: pilares monitorados pelo regulador.
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Investimentos: reservas tendem a ser aplicadas majoritariamente em títulos públicos federais (direto ou via fundos).
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Mensagem-chave: uma seguradora é, na prática, um colchão de dinheiro que precisa engordar para reter risco com segurança. Em cooperativas, esse “engordar” não vira distribuição de lucro; vira mais capacidade de assumir risco.
Resseguro: quando e por que você vai precisar
Se o seu produto acumula muito risco, resseguro deixa de ser opção e vira necessidade.
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Converse com resseguradores ou brokers para entender apetite por ramo.
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Tendências citadas: vida costuma ter bom apetite; garantia é mais restrita (cláusulas e risco de crédito pesam).
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O desenho retenção x cessão define a escala possível da sua operação – e o capital que você precisa.
Comercial de verdade: por que só o digital não resolve
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Fraudes digitais e mau enquadramento de coberturas tornaram o “só digital” arriscado para quem vende risco.
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O corretor continua indispensável: traduz necessidade, ajusta capitais e evita gaps (ex.: confundir AP com Vida, contratar capitais irrelevantes etc.).
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Melhor arranjo de go-to-market: multicanal (digital + corretor + outros canais), com governança de vendas e comissionamento bem desenhados.
Capital, diretoria e papel do atuário/contador
Para autorização na SUSEP, prepare-se para entregar (e comprovar):
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Origem do capital (lastro lícito).
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Capacidade financeira dos sócios (ex.: aportar R$ 1 mi e demonstrar folga além disso no IRPF).
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Diretoria com experiência real em seguros (carteira, comprovações).
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Atuária + Contabilidade: dupla que fecha o mês com consistência – provisões, risco de crédito/mercado/subscrição/operacional, testes de solvência.
Como decidir: roteiro prático em 4 etapas
(1) Diagnóstico do negócio
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Produto (auto, vida, garantia, estendida etc.) e perfil de risco.
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Geografia e distribuição (há variações regionais relevantes para sinistralidade e precificação).
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Base de clientes (tamanho, recorrência, ticket, LTV, churn).
(2) Modelagem técnica e financeira
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Ciclos de vigência → definem PPNG e “timing” de resultado.
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Provisões de sinistro (avisados/não avisados) e cenários de stress.
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Mapa de resseguro (o que reter, o que ceder e para quem).
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Plano de investimentos das reservas (com política de risco).
(3) Governança e pessoas
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Diretores (experiência comprovada), compliance, risco, atuária, contábil/tributário.
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Políticas: subscrição, aceitação, prevenção a fraudes, LGPD, PLD/CFT.
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Controles internos e auditoria.
(4) Go-to-market e operações
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Corretores como pilar; digital como acelerador, não substituto.
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Onboarding antifraude, assinatura/consentimento e clareza de coberturas.
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Service e sinistros com NPS mapeado (a “hora da verdade” da marca).
Cooperativa x Seguradora S4: prós e contrapesos (em linguagem de negócios)
Cooperativa de seguros
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Prós: coerente para bases comunitárias/segmentadas; superávit reforça patrimônio e capacidade de retenção; narrativa de pertencimento.
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Contrapesos: mesma régua técnica (provisões/solvência); precisa de disciplina na gestão e resseguro quando o risco concentra.
Seguradora S4
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Prós: selo regulatório mais “clássico” de mercado; porta de entrada para escala, canais e parcerias estruturadas; melhora percepção de solidez.
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Contrapesos: exigências formais mais duras; capital e time técnico bem testados; auditoria e controles sem atalhos.
Reforma tributária: o que muda no dia a dia
Bernardes entende que:
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O setor já é dos mais tributados; não deve “piorar” para seguradoras.
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Simples: tende a não mudar (alívio para corretores).
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CBS/IBS substituem o emaranhado de PIS/Cofins/ISS/ICMS, simplificando o operacional e reduzindo insegurança jurídica.
Sinais de alerta (e como corrigir a rota)
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Forçar lucro no 1º ano: pode piorar seu IR e enfraquecer o colchão de reservas. Use a PPNG como deve ser.
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Subestimar resseguro: quebra o plano econômico. Negocie cedo; saiba o apetite por ramo.
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“Só digital”: aumenta fraude e mau enquadramento. Traga o corretor.
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Capital “criativo”: imóveis e afins não contam para reserva técnica.
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Time raso: sem atuário/contador/diretoria experiente, o projeto não passa.
A decisão que separa “projeto” de “empresa”
Para APVs e cooperativas, ficar onde estão exigirá padrões de seguro de qualquer maneira. Virar cooperativa de seguros faz sentido a quem prioriza pertencimento e patrimônio de longo prazo. S4 é o passo natural para quem busca escala, parcerias e selo de solidez – desde que aceite o custo da disciplina (capital, governança, provisões, resseguro, controles).
A escolha certa não é slogan; é equação técnica + viabilidade econômica + execução. Se o seu produto tem risco concentrado, se a ambição é crescer com lastro e se você aceita governar como seguradora, S4 tende a ser a rota mais segura – e sustentável.
Checklist final (curto e útil)
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Produto/risco mapeados • Geografia e canais definidos
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Provisões (PPNG/sinistros) dimensionadas • Mapa de resseguro pronto
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Capital com origem e capacidade comprovadas
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Diretoria com experiência • Atuária e Contabilidade na mesa
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Governança, compliance e antifraude operando (não só no papel)
Seja qual for a sua decisão, o relógio regulatório já está rodando. O mercado recompensará quem se antecipar – com técnica, transparência e execução.