Especialistas criticam estratégia do governo de recorrer ao STF e apontam risco de desrespeito a contratos e retrocesso institucional
A queda do decreto que aumentava o IOF sobre operações de câmbio, derrubado pelo Congresso Nacional, gerou uma crise política com reflexos fiscais imediatos. Para tentar reverter a derrota, o governo federal avalia acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) com o argumento de que o imposto possui caráter extrafiscal e poderia ser modificado por decreto, sem necessidade de tramitação legislativa. A estratégia, no entanto, é vista com ceticismo por tributaristas, que alertam para o custo político e os riscos institucionais envolvidos.

Segundo Carlos Crosara, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e doutorando pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados, “judicializar essa questão significa transferir ao STF uma decisão de política fiscal típica do Poder Executivo”. Para ele, o Supremo não deveria ser acionado para deliberar sobre medidas que envolvem intervenção do Estado no mercado de câmbio ou crédito, sob pena de ativismo indevido.
Crosara lembra que há precedentes em que contribuintes questionaram o aumento do IOF alegando ausência de finalidade regulatória, mas que, em sua maioria, o STF validou os aumentos. “Na minha visão, isso é equivocado. O Executivo só pode alterar o IOF via decreto quando há, de fato, necessidade de intervir no domínio econômico. Se a finalidade é arrecadatória, deve prevalecer a legalidade e a anterioridade tributária”, afirma.

Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, também considera que, embora o governo tenha legitimidade formal para propor a ação, o custo político seria alto. “Mesmo que tenha êxito no STF, a reação do Congresso pode ser ainda mais dura, inclusive com a criação de uma lei ou até de um dispositivo constitucional para afastar novamente a medida”, alerta. Ele destaca que o resultado da votação no Legislativo evidenciou a disposição política para enfrentar o Executivo.
Outro ponto polêmico é a tentativa do governo de compensar a perda de arrecadação com cortes em benefícios fiscais. Para Garcia, essa estratégia tem impacto limitado e pode agravar a crise: “Sem contrapartida de redução de despesas, o efeito se dilui no tempo. Além disso, ao trazer mais insegurança jurídica, afasta investidores, aumenta o desemprego e reduz a arrecadação futura”.
Na avaliação dos especialistas, medidas como a revogação do Perse ou a revisão de regimes especiais por decreto ou PEC configuram aumento disfarçado da carga tributária. “Essa prática transmite a pior mensagem possível: a de que o Brasil não respeita contratos nem se importa com a insegurança jurídica”, afirma Garcia.
A insistência do governo em manter a meta de déficit zero em 2025, mesmo sem cortes significativos de gastos, também é criticada. “Poucas coisas afastam tanto os investidores quanto a insegurança jurídica generalizada. A eventual insistência nesse caminho será desastrosa para a economia”, completa.
Garcia ainda aponta que, caso o governo avance sobre regimes protegidos constitucionalmente, como o Simples Nacional, haverá forte reação judicial por parte do setor produtivo. “Devemos assistir a uma avalanche de ações judiciais, além de retração de investimentos, aumento de falências e agravamento da crise fiscal.”
Por fim, os especialistas chamam atenção para a polêmica decisão do ministro Gilmar Mendes de transferir para Alexandre de Moraes a relatoria da ação do PL contra o decreto do IOF, com base no princípio da prevenção. Segundo Garcia, embora o tema seja o mesmo, as ações têm partes e objetos distintos — o que enfraquece a justificativa da conexão. “Um partido político questiona o governo, outro o Congresso. A conexão processual exige mais que o tema em comum; envolve também a legitimidade ativa e o objeto da ação.”