Confira artigo de Felipe Leonard, CEO e presidente da S.I.N. Implant System
“Criatividade precisa de liberdade”, diz um mote que acompanha a 3M desde 1948, ano em que implementou a “Cultura dos 15%”. Nela, equipes da empresa são estimuladas a dedicarem 15% da jornada de trabalho para explorar, desenvolver e propor inovações. O resultado? Mais de mil produtos e 3 mil patentes todos os anos no mercado.
Aliás, a companhia fundada em 1902 no estado de Minnesota (EUA) aparece desde 1976 no S&P 500, indicador ligado a Bolsa de Nova Iorque e à Nasdaq, que aponta as maiores empresas de capital aberto dos Estados Unidos. Um mérito absoluto num contexto volátil. Basta lembrar que, segundo análises da Innosight, a longevidade das empresas caiu drasticamente nos últimos anos, saindo de 33 anos, na década de 1960, para menos de 20, atualmente. Na prática, então, é louvável que empresas não só resistam ao teste do tempo como consigam manter sua relevância.
A receita para este case de sucesso pode ser atribuída à criatividade das equipes impulsionadas, claro, por uma gestão de excelência. Ouso dizer que esse é um típico case de liderança ambidestra. A palavra “ambidestro”, aliás, é derivada das palavras latinas ambi, que significa ‘ambos’, e dext, que significa ‘verdadeiro’ ou ‘certo’. Ambidestria é, literalmente, a capacidade que uma pessoa pode ter em usar as duas mãos com igual destreza, uma habilidade rara, presente apenas entre 3% e 4% da população, e, como todo recurso escasso, historicamente valorizada. Na Antiguidade e na Idade Média, soldados que lutavam com as duas mãos eram mais apreciados pelos governantes, que os tinham como guardas pessoais ou soldados de elite.
No campo da gestão, ambidestria é o talento de uma organização para explorar possibilidades até então desconhecidas, simultaneamente, com as competências existentes.
O conceito reúne eficiência administrativa com criatividade inovadora. Trata-se, então, de equilibrar o habitual e o novo. De otimizar o que praticamente já garante um bom desempenho nos negócios, porém, sem perder o apetite por riscos e oportunidades. “Ambi-Dext”, as duas são certas!
Encaixar-se nesse perfil, exige, de fato, certo malabarismo de mindsets. Mas é possível e transformador. Aqui, segue o meu check-list e o que eu sigo praticando sobre liderança ambidestra:
Aceite e apazigue a ambiguidade
Mais do que um fator de diferenciação, a liderança ambidestra se traduz, na verdade, em uma necessidade essencial de qualquer negócio. Afinal, limitar-se a otimizar aspectos que já funcionam pode até levar a picos lucrativos em curto prazo. Fatalmente, porém, o resultado não deve passar disso, já que a melhoria do “fazer mais do mesmo” culmina na estagnação e, ainda, em vulnerabilidade, frente a mercados voláteis junto com os impactos trazidos pelas inovações tecnológicas. Todos conhecemos a famosa frase atribuída ao Henry Ford: “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, teriam dito: cavalos mais rápidos”. Ou seja, se Ford não se aventurasse em fazer algo diferente, seu império, a Ford Motor Company, nunca teria existido. Da mesma forma, estar sempre à caça de novidades, sem bases estruturadas em excelência impede a consolidação – seja ela de estratégia ou de posicionamento de mercado. Novamente, vale citar o mesmo Henry Ford, que revolucionou a indústria automobilística com sua linha de montagem. Foi assim que otimizou processos, cuidou dos custos, dos resultados e da geração de caixa. Ele sabia, melhor do que qualquer outro, que a perpetuidade da organização dependia também de incorporar práticas de gestão habituais. O líder ambidestro, portanto, consegue apaziguar o impasse entre a expertise e a descobertas – e ambas são estimuladas, conjuntamente.
Permita a ambidestria no DNA da empresa
Conseguir o equilíbrio sugerido no tópico anterior é, na verdade, colocar em prática dois conceitos inerentes à liderança ambidestra: explorar e explotar, conforme esclarecem Jansen, Van Den Bosh e Volberda, da Rotterdam School of Management (2006).
O primeiro diz respeito à pesquisa, à busca, ao olhar para o futuro e ao mergulho no desconhecido, que levam à inovação. Já o segundo se baseia na análise da trajetória institucional e no conhecimento adquirido para eliminar vulnerabilidades e otimizar vantagens. Sendo assim, estimular a comunicação transparente e exercitar a escuta ativa nas organizações significa desenvolver respostas eficazes e dados riquíssimos para qualquer estratégia. Mais do que isso, a ambidestria deixa de ser um mero conceito para se consolidar na cultura organizacional. Deve promover o respeito de todos, e o equilíbrio constante entre o novo e o antigo, o disruptivo e o já consolidado, o empreendedorismo arrojado e a prudência que conserva e protege. Envolve, ainda, atrair talentos, construindo times que consigam estender pontes entre as novas gerações, junto com a dose necessária de “cabelo branco”, em cada situação. Não existe manual nem receita para todos os negócios. A depender do contexto, faz-se o desafio constante da ambidestria na organização: o de achar a medida exata, o equilíbrio a cada momento.
Construa e empodere equipes para processos decisórios
Esse conselho é do professor de Estratégia e Empreendedorismo da London Business School Julian Birkinshaw (2016). Segundo ele, o líder ambidestro é aquele que entende o peso de seu cargo e sabe que precisará se posicionar sob diferentes holofotes. Ao mesmo tempo, porém, ele reconhece o timing para permitir que outros profissionais subam ao palco, seja em momentos de crise, de estabilidade ou avanço. Tal movimento, além de descentralizar tomadas de decisões, dá fluidez à estrutura organizacional, amplia visões sobre o negócio e, claro, estimula o surgimento de novos projetos ou soluções. Não há criação sem um ambiente de liberdade e confiança. E esses valores também não existem se não delegarmos tarefas e empoderarmos pessoas. São conceitos que devem sair do papel e entrar, efetivamante, na realidade do dia a dia das equipes.
Entenda que a falha faz parte do processo
O case da “Cultura dos 15%”, que abriu este artigo, extrapolou o ambiente corporativo da 3M e inspirou outros gigantes do mercado. Um deles, o Google. Há quem diga, aliás, que produtos como o Gmail e o Google Earth surgiram justamente no “tempo off” cedido pela organização para seus talentos.
Programas ou rotinas estimulando a criatividade podem fazer toda a diferença, também, em seu negócio. Mas é importante frisar que nem só de trunfos se faz o processo inovador. O Google teve fracassos estrondosos, como o Dodgeball e Google Latitude, que tentaram concorrer, de forma totalmente infrutífera, com o Foursquare; já o Jaiku foi lançado para tentar desbancar o Twitter; da mesma forma que o Google Buzz prometia destronar o Facebook. A lista é longa de projetos malsucedidos, que, por fim, foram cancelados pela gigante.
Vamos ser honestos: provavelmente, a própria história da sua empresa tem passagens ou capítulos inteiros comprovando que “tentar-e-falhar” pode acontecer. Compreender que essa possibilidade é real, não só afasta frustrações como evita bloqueios criativos. A resiliência, acredite, é um excelente reforço para seu time.
Adote métricas, inclusive nas finanças
Como saber que uma determinada performance é de êxito e que seus processos podem ser mantidos? Como olhar para o futuro e estabelecer uma meta ousada com sustentabilidade? A resposta está nas métricas. Tão importante quanto ter planos embasados, transparentes e bem comunicados, é contar com ferramentas que avaliem o desempenho na execução deles. E tão necessário quanto alcançar lucros preciso otimizar recursos. Aliás, o primeiro investimento deve ser feito no talento e, conjuntamente, na cultura que esses profissionais promissores precisam para florescer, criar, sonhar, reinventar. Deste modo, o lucro seguirá natural e inexorável!
O mercado e, também, o conhecimento sobre gestão se transforma a cada dia. Mas um entendimento permanece intacto: o líder diferenciado é aquele que, como um bom maestro, conduz o espetáculo “com as duas mãos”.