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O bem alienado fiduciariamente pode ser penhorado em execução promovida por terceiro?

Izabela Rücker Curi, advogada, sócia fundadora do Rücker Curi - Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law, startup focada em soluções jurídicas personalizadas para o cliente corporativo. Atuante como conselheira de administração, certificada pelo IBGC / Foto: Divulgação
Izabela Rücker Curi, advogada, sócia fundadora do Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law, startup focada em soluções jurídicas personalizadas para o cliente corporativo. Atuante como conselheira de administração, certificada pelo IBGC / Foto: Divulgação

A alienação fiduciária é diferente do penhor e da hipoteca, em que o devedor ainda é o proprietário do bem, conforme explica em artigo a advogada Izabela Rücker Curi, sócia fundadora do Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law

Na alienação fiduciária, o devedor entrega ao credor a propriedade do bem, embora mantenha a sua posse. Daí provém a polêmica na doutrina e na jurisprudência: o bem alienado fiduciariamente não integra o patrimônio do devedor (não é seu, não sendo sua a propriedade)? O bem poderia ou não ser penhorado em execução de terceiro proposta contra o devedor? Poderia ou não, por exemplo, ser penhorado em execução de condomínio, quando o mesmo busca a cobrança das taxas condominiais?

Para prosseguir com a análise, importante relembrar que a alienação fiduciária é diferente do penhor e da hipoteca, em que o devedor ainda é o proprietário do bem. Na alienação fiduciária, como já citado, o credor se torna o proprietário e o devedor tem somente a posse.

Baseados nisso, os credores de alienação fiduciária se opõem ao pedido de penhora realizado por terceiros credores. Tanto os credores quanto os devedores recorrem judicialmente requerendo o levantamento da penhora realizada sobre o bem alienado fiduciariamente. Os credores, por sua vez, alegam que, como são eles os proprietários e não o devedor, não pode ser realizada penhora por outros credores.

Ledo engano! Em verdade, o devedor, mesmo tendo alienado o bem fiduciariamente, continua tendo o que se chama de “ direitos e ações” sobre o bem e o contrato de alienação fiduciária.  São esses direitos e ações que podem ser penhorados, segundo entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos tribunais estaduais.

No sentido de ilustrar “direitos e ações”, diga-se que, sendo leiloado o imóvel pelo credor fiduciário e restando saldo positivo em favor do devedor após pagamento do credor fiduciário, esse saldo é de direito do devedor. Se houver penhora em execução promovida por terceiro, este terceiro exequente poderá perseguir o valor do saldo para pagamento de seu crédito.

Outro exemplo de “direito e ação” se dá quando um imóvel não está registrado em nome do devedor no Registro de Imóvel, sendo objeto apenas de contrato particular. Neste caso, não há propriedade para o devedor, mas apenas o direito de aquisição em seu favor. Não seria, então, lícito penhorar o bem do devedor, uma vez que não é de sua propriedade. Todavia, ele tem “direito e ação” sobre o imóvel e este, sim, pode ser penhorado. Em caso de não pagamento da dívida, dá-se o leilão dos direitos aquisitivos, mencionando-se obrigatoriamente no edital do leilão que o objeto da alienação é o “direito e ação”.

Nos casos de alienação fiduciária em que a propriedade não é do devedor e ele tem “direito e ação” sobre o bem, a penhora não recairá sobre o imóvel, mas sobre os bens e direitos do bem, independentemente da concordância ou não do credor fiduciário. Isto por que os direitos do devedor fiduciante, objeto da penhora, continuam existindo subsidiariamente com suas obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária. São esses direitos que poderão ser penhorados.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aborda o tema com clareza quando afirma: “No que diz respeito à impenhorabilidade de bens alienados fiduciariamente, razão não assiste ao embargante. Isso porque não há nenhum impedimento legal para que seja realizada a penhora sobre bem alienado fiduciariamente, ressalvando, todavia, que a penhora deve recair sobre os direitos e ações do bem. 5. Assim, com relação à alegação de que o imóvel penhorado se encontra alienado fiduciariamente, enseja, no máximo, a alteração da penhora para que recaia sobre direitos e ações relativas ao bem, no entanto, a mesma já incide sobre os mesmos, conforme mencionado na decisão do juízo a quo. 6. Ademais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que não há impedimento para que os direitos do devedor fiduciante relacionados ao contrato recebam constrição, independentemente da concordância do credor fiduciário. 7. Portanto, o entendimento do STJ é de que, ainda que o bem seja objeto de alienação fiduciária, a penhora do mesmo não estaria afastando os direitos do credor fiduciário, pois, os direitos do devedor fiduciante, objeto da penhora, continuarão existindo subsidiariamente com suas obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária. (TJRS. 3ª Turma Recursal Cível. Recurso Inominado n. 5015602-37.2022.8.21.0026, Relator Juiz de Direito Fabio Vieira Heerdt, julgado e publicado em 09/11/2023)[1]

Portanto, o bem alienado fiduciariamente pode ser penhorado em execução de terceiro, sem necessidade de concordância do credor fiduciário, desde que a penhora seja limitada aos “direitos e ações” do devedor, não se estendendo ao imóvel.

[1] Outros precedentes: AgInt no AREsp 644.018/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 10/06/2016 ST; AgRg no REsp 1.459.609/RS, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 4/12/2014; STJ, REsp 1.051.642/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 2/2/2010; STJ, REsp 910.207/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 25/10/2007. : REsp n. 1.697.645/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 25/4/2018; AgInt no AREsp n. 644.018/SP, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 10/6/2016 e REsp n. 901.906/DF, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 11/2/2010). III – Recurso especial provido. (STJ – REsp:   AP 2017/0264243-4, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 09/05/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019).

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