Se 2025 fez a imaginação correr solta com o potencial da IA, 2026 será o ano em que as organizações precisarão fazer um balanço, construindo as bases essenciais para transformar esses sonhos em realidade. Da modernização da infraestrutura ao desenvolvimento de talentos, passando pela internet quântica e pelas questões de confiança, o diretor de Engenharia da Cisco, Renier Souza, traz algumas projeções de futuro e como pode ser o próximo ano da tecnologia.
1 – Um ponto de inflexão da infraestrutura
Um conflito silencioso, porém crítico, se esconde por trás da promessa brilhante da revolução da IA: o choque entre a “dívida técnica” legada e a emergente “dívida de infraestrutura de IA”. Na corrida para implantar IA, muitas organizações estão empilhando soluções rápidas e dados dispersos sobre infraestruturas mais antigas. O resultado é um passivo crescente: sistemas inteligentes rodando sobre bases que nunca foram projetadas para as exigências atuais de velocidade, escala ou segurança. Consequência? As organizações correm o risco de travar a inovação e o crescimento.
Mas esse alerta também representa uma oportunidade. O próximo ano será definido por quem modernizar sua infraestrutura de rede fundamental – e poderemos ver aqueles que estão mais atrasados, com mais a atualizar, ultrapassarem a concorrência. Priorizar hoje uma modernização “segura por design” fará mais do que quitar as dívidas do passado: construirá uma base resiliente e pronta para IA, capaz de sustentar um futuro mais seguro, rápido e transformador.
2 – A IA vai para a borda
Dados alimentam a IA, mas ainda exploramos apenas uma fração do que realmente existe. Com 22,4 bilhões de dispositivos IoT (Internet das Coisas) gerando mais de 90 zettabytes por ano, 2026 verá as empresas finalmente acessarem esse vasto reservatório de dados de telemetria, máquinas, IoT e IIoT (Internet Industrial das Coisas). A IA pode analisar e combinar esses fluxos de formas impossíveis para os humanos, ao treinar modelos específicos por domínio que podem remodelar indústrias de maneira tão profunda quanto a IA generativa fez. Para viabilizar esses modelos, 2026 trará uma mudança em direção à IA na borda (edge), preservando a privacidade – algo crítico em ambientes industriais.
Equipes de manufatura, energia e logística já utilizam dados de IIoT para reduzir paradas e aumentar a eficiência. Essa adoção irá se acelerar em 2026, marcando a segunda fase da evolução da IA. Esse movimento é impulsionado por avanços em chips de IA especializados e em TinyML, para inferência ultra eficiente nos próprios dispositivos, enquanto o aprendizado federado treina modelos em dispositivos de borda distribuídos sem centralizar dados sensíveis. Incorporar segurança à infraestrutura será essencial para proteger essas cargas de trabalho à medida que ganham escala.
3 – Soberania digital na prática
A soberania digital não vai desacelerar a inovação. Ela vai redefinir onde e como ela acontece – passando da teoria para a execução em 2026, à medida que leis mais rígidas de localização de dados entram em vigor. Países e blocos irão afirmar controle sobre suas infraestruturas, dados e pilares tecnológicos, redesenhando o cenário digital. O movimento por soberania também alcançará a IA, acelerando investimentos em capacidade doméstica, computação soberana e fábricas de IA que constroem modelos treinados com dados regionais sensíveis
A demanda por soluções de nuvem soberana crescerá, assim como a dependência de provedores regionais e o renovado interesse por data centers on-premises ou isolados (air-gapped). Uma reformulação completa da infraestrutura global é improvável, mas migrações seletivas e estratégias de nuvem diversificadas se tornarão o padrão, criando demanda por talentos e competências locais.
4 – Identidade como o novo perímetro
Deepfakes, falta de transparência, vieses e questões de responsabilidade tornaram a confiança um pré-requisito para a adoção da IA. Sistemas críticos — físicos, digitais e tudo o que há entre eles — precisam de proteções que escalem com cargas de trabalho distribuídas e uma força de trabalho híbrida, humana e digital. Um caminho possível é incorporar segurança e observabilidade diretamente à rede, criando uma camada de proteção que monitore continuamente modelos e agentes de IA.
Com 92% das empresas no Brasil planejando implantar agentes de IA (Cisco AI Readiness Index 2025) – acima da média mundial, de 83% – a gestão de identidade se tornará uma tendência definidora. E, com agentes de IA mudando de função instantaneamente, os sistemas tradicionais de identidade não serão suficientes, aumentando a necessidade de estruturas de identidade desenvolvidas especificamente para autenticar e confiar em um agente de IA.
Embora a identidade seja essencial, a confiança vai além. À medida que a linha entre humanos e agentes de IA se torna difusa, as organizações precisam governar a dupla humano-agente: quem está no comando, o que podem acessar, como seu comportamento é monitorado e o que acontece quando algo dá errado?
5 – A atualização dos sistemas humanos
Em um mesmo dia, a IA pode ser vista tanto como ‘destruidora de empregos’ quanto como motor de crescimento econômico. Esse foco binário esconde um problema mais profundo: a força de trabalho não está pronta para concretizar o potencial da IA. As empresas correm para implantar agentes, mas seus sistemas humanos — contratação, planos de carreira, desenvolvimento de competências — permanecem ancorados em uma era pré-IA. Isso não é uma falha das pessoas, mas da infraestrutura de trabalho. Para impulsionar a inovação, as organizações precisam requalificar, reequipar e redesenhar os caminhos e sistemas de apoio de que suas equipes dependem.
O ano de 2026 exigirá mais do que alfabetização básica em IA. As empresas precisarão de um currículo “full stack” ao longo de toda a carreira — cobrindo desde fundamentos de redes e cibersegurança até ciência de dados, vibe coding e capacidades avançadas de IA. Organizações visionárias focarão em desenvolver competências internamente, nutrindo os talentos que já possuem. Os líderes da próxima década irão além da dicotomia “técnico vs. não técnico”, criando especialistas híbridos que orquestram inteligência, em vez de apenas gerar insumos. Democratizar a profundidade técnica garante que colaboradores aprimorados se tornem arquitetos da era da IA.
6 – O quântico no mundo real
A computação quântica está passando de “será que isso é possível?” para “o que isso pode desbloquear?”, com problemas complexos em medicina e física entre os principais alvos. A corrida por uma infraestrutura segura para a era quântica se intensificará, com organizações investindo em criptografia pós-quântica e hubs regionais de inovação quântica.
Em 2026, os engenheiros da Cisco continuarão trabalhando em uma rede baseada no comportamento único de partículas quânticas, para conectar computadores quânticos e compartilhar informações de forma segura. Neste ano, a Cisco apresentou um chip de fonte de emaranhamento que gera milhões de pares de fótons emaranhados por segundo, permitindo comunicação quântica sobre fibras existentes, sem necessidade de infraestrutura especializada.
Uma rede quântica distribuída e escalável pode desbloquear um novo e vasto espaço computacional e sustentar classes inteiras de tecnologias emergentes. No final da década de 2030, esse trabalho pode culminar em uma internet quântica conectando computadores quânticos, sensores e outros dispositivos — abrindo possibilidades como comunicações ultra seguras e monitoramento preciso de clima, tempo e atividades sísmicas.
