Confira artigo de Manuel Matos, Coordenador do Comitê Permanente de Open Insurance da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor)
O setor de seguros no Brasil atravessa uma fase transformadora, impulsionada pela convergência entre inovação tecnológica e modelos tradicionais de atuação, em busca das metas previstas no PDMS – Plano de Desenvolvimento do Mercado de Seguros para 2030. Nesse contexto, o Open Insurance surge como uma proposta estruturante, capaz de redefinir a maneira como seguradoras, corretores e clientes se relacionam. Inspirado nas diretrizes do Open Banking, esse modelo visa construir um ecossistema mais transparente, interoperável e centrado no consumidor. No entanto, sua implementação exige mais do que infraestrutura técnica: requer mudanças culturais, engajamento estratégico e clareza de propósito. Estamos diante de um momento decisivo, em que o futuro do setor dependerá da nossa capacidade de combinar a solidez de suas bases com a agilidade exigida pelo mundo digital e pelos novos hábitos de consumo dos nossos clientes.
O Open Insurance propõe um ambiente em que os dados circulem com segurança, padronização e consentimento, abrindo espaço para produtos mais personalizados, jornadas mais fluídas e experiências mais relevantes. Imagine um consumidor que, com poucos cliques, acessa todas as suas apólices, contrata coberturas sob demanda ou transfere seu histórico de proteção entre empresas. Esse é o horizonte possível. Mas o caminho não é trivial. Muitas seguradoras ainda demonstram receio diante da abertura dos dados, enquanto corretores questionam se seu papel será preservado em um ecossistema cada vez mais automatizado. O órgão regulador, embora comprometido com o avanço do modelo, precisa lidar com as limitações naturais de um processo complexo, que exige a participação ativa de todos os agentes de mercado.
Mesmo em um ambiente desafiador, exemplos práticos mostram que a transição é viável e, embora ainda de forma gradual, já começou. A Guru, primeira corretora credenciada como Sociedade Processadora de Ordem do Cliente (SPOC), vem desenvolvendo um modelo em que o corretor assume protagonismo por meio da tecnologia, oferecendo experiências mais ágeis e customizadas aos seus clientes. A SulAmérica, em parceria com a Sensedia, apostou na integração via APIs e lançou produtos inovadores, como seguros ativados por dispositivos conectados. No exterior, casos como o da Lemonade, nos Estados Unidos, evidenciam o poder das APIs abertas para escalar negócios e distribuir seguros com agilidade, mantendo o foco no consumidor final. Esses movimentos reforçam que a tecnologia não elimina o fator humano – ao contrário, o potencializa, desde que utilizada com propósito e capacitação.
O grande desafio, porém, está na mudança de mentalidade. O setor de seguros, por tradição, valoriza a estabilidade e a previsibilidade, o que torna naturais as resistências a transformações profundas. Ainda assim, é preciso reconhecer que a digitalização não ameaça a relevância dos corretores – ela amplia suas possibilidades, oferecendo novas ferramentas para compreender melhor os clientes, prestar consultoria qualificada e agregar valor ao relacionamento. Da mesma forma, seguradoras devem superar a lógica dos silos e buscar sinergias com insurtechs, plataformas digitais e parceiros estratégicos. E cabe ao regulador orquestrar esse movimento com normas claras, prazos equilibrados e incentivos que estimulem os pioneiros. A criação de ambientes de teste e aprendizado, como o laboratório da Open Power – que articulou uma coalizão de empresas interessadas em investir no modelo –, aponta um caminho positivo, mas ainda há muito a ser construído.
O avanço do Open Insurance no Brasil será sustentado por três fundamentos essenciais: educação, colaboração e inovação incremental. Educar o mercado é vital para desmistificar o modelo e construir confiança. Estimular a colaboração entre todos os elos da cadeia – seguradoras, corretores, insurtechs e reguladores – é o caminho para desenvolver soluções viáveis e sustentáveis. E promover a inovação de forma progressiva, com pilotos controlados e integração gradual de APIs, permitirá evoluir sem rupturas abruptas, com ganhos reais para todos. O maior beneficiário desse movimento será o consumidor, que encontrará um mercado mais transparente, acessível e alinhado às suas necessidades.
Estamos apenas no início de uma jornada com potencial para reposicionar o setor de seguros no Brasil. O Open Insurance não é apenas uma tendência passageira ou um modismo tecnológico: é uma oportunidade concreta de criar um mercado mais justo, eficiente e centrado no cliente. Cabe a cada um de nós, protagonistas dessa transformação, liderar essa mudança com estratégia, coragem e visão de futuro.