Condutores de aplicativos para mobilidade e representantes de autoescolas saem do evento com placa no veículo, onde passageira encontra QR Code com informações sobre segurança
Há dez anos, aproximadamente, Marcio Estevão de Sousa perdeu uma prima, vítima de feminicídio. “Ela terminou um relacionamento, mas o rapaz não aceitou”, contou o taxista, que participou nesta sexta-feira (25) do pit stop Não Se Cale, uma ação contra o assédio sexual promovida no Autódromo de Interlagos pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran–SP) e pela Secretaria de Políticas para a Mulher (SP Mulher). Aos 43 anos, quinze deles como profissional do volante, Marcio passa agora a levar no veículo uma placa, instalada durante o evento, com um QR Code direcionado para o site da SP Mulher, onde passageiras encontrarão informações sobre serviços de proteção e o protocolo de pedido de ajuda, como o gesto internacional de socorro – um fechar de mão que culmina em um punho cerrado.
“A violência está grande para todos, mas para as mulheres é pior”, disse Souza em passagem pela tenda montada no evento pelo Detran-SP, que aproveitou a ocasião para reforçar junto aos motoristas outros cuidados prioritários para uma mobilidade segura, como o respeito ao pedestre, tema de uma política pública iniciada em 2024 no órgão de trânsito. Além de conversar com os condutores para passar orientações, a equipe do Detran-SP distribuiu materiais educativos.
Motorista profissional e também licenciada da Lady Driver, aplicativo criado para atender apenas mulheres, com motoristas mulheres, e parceiro do pit stop desta sexta-feira em São Paulo, a sorocabana Luciana Marçura já experimentou a violência em forma de assédio. Em 2021, quando morava na capital e trabalhava para outro app, recebeu uma cantada nada lisonjeira: um passageiro ofereceu dez vezes o valor da corrida para que ela o acompanhasse ao seu apartamento. “Eu parei o carro e o mandei descer, dizendo que eu era uma motorista profissional. Em 2022, ao voltar a morar em Sorocaba, decidi trabalhar apenas com mulheres. Já somos quatrocentas motoristas da Lady Driver na cidade”.
Hoje, para a proteção das condutoras, diferentes aplicativos oferecem a opção de aceitar somente corridas solicitadas por mulheres. “Um dia, eu atendi apenas passageiras, achei até curioso. Quando fui ver meu aplicativo no celular, eu havia selecionado sem querer a opção de carregar apenas mulheres”, conta Vânia Boretto, motorista da Uber que mantém um canal no YouTube para novatas e novatos no ramo, o Aprendiz de Uber, e que também saiu com a sua plaquinha do pit stop. “Principalmente para quem está começando, essa segurança é muito importante”.
De acordo com pesquisa realizada em 2019 pelo Instituto Locomotiva, 97% das mulheres já sofreram assédio sexual em meios de transporte no país, tanto públicos como privados. Isso explica porque, para além de questões pessoais, como deixar os filhos em casa, o tempo de deslocamento para o trabalho pesava na hora de aceitar ou não um emprego para 72% das entrevistadas: quanto mais longa a exposição, maiores as chances de a passageira ser vítima de violência.
Autoescola segura
Ao lado dos aplicativos de mobilidade urbana, o segmento de autoescolas marcou presença no autódromo de Interlagos. Diversos carros de centros de formação de condutores (CFCs), como o pilotado pela diretora de ensino Lena Araújo, saíram com suas placas instaladas com o QR Code para o site da SP Mulher.
“Temos um número grande de alunas, hoje, e queremos que elas se sintam seguras para nos procurar e relatar algo, caso um instrutor faça um movimento que as deixe constrangidas. Ou que uma instrutora também sinta essa abertura”, disse Lena. “Essa ação é boa para a mulher de modo geral: uma vez informada, ela poderá se sentir melhor no transporte público, no carro de aplicativo, na vida”.
José Guedes Pereira, presidente do Sindicato das Autoescolas do Estado de São Paulo (Sindiauto), vê convergência entre a ação educativa e a formação de condutores. “O trabalho do Detran-SP de conscientizar o cidadão e de sensibilizar os agentes delegados para tratar o cidadão e a cidadã com humanidade e respeito é benéfico para todos. A educação tem que vir atrelada à formação de condutores, porque a formação traz implícita, em si, a civilidade”, afirmou Guedes.
Transformando dores
A segurança no trânsito é para todos e, portanto, passa obrigatoriamente pela segurança das mulheres. Foi essa a mensagem da diretora de Segurança Viária do Detran-SP, Roberta Mantovani, em sua fala na cerimônia realizada junto ao pit stop Não Se Cale, na manhã desta sexta, em Interlagos. “Trabalhamos para melhorar a qualidade de vida de todas as mulheres. Por isso, a importância de abarcar nessa iniciativa também as autoescolas, zelando pela proteção tanto de quem é profissional como das alunas dos processos de formação”.

Eliana Vieira Alves, secretária executiva da SP Mulher, lembrou a importância do gesto da mão fechada, que pode ser feito em três passos: primeiro, a mulher ergue a mão aberta, espalmada, depois fecha o polegar e em seguida todos os dedos. “Este é um gesto internacionalmente conhecido como pedido de ajuda. Todos devem conhecer. Nenhuma mulher deve ser silenciada em uma situação de violência”, aconselhou. “A placa que entregamos agora não é apenas um aviso, é uma promessa de respeito, de segurança, de acolhimento. A mulher saberá que ali, onde existe a placa, ela encontrará um aliado, alguém que saberá ouvir e agir, sem hesitar. Por isso, a adesão de vocês à causa é um gesto de empatia, de responsabilidade e de coragem. Seguimos ampliando a nossa rede de atendimento, porque não se calar é o primeiro passo para mudar”.
A cerimônia contou ainda com a participação de representantes da Uber, a executiva Analu Cordeiro dos Santos, que se comprometeu a difundir a mensagem do combate à violência contra a mulher, e da Lady Driver, cuja CEO, Gabryella Correa, lembrou sua motivação para fundar a empresa: o assédio que sofreu em um carro de aplicativo.