Com a aprovação da reforma tributária, o Brasil avança rumo a um modelo mais moderno e simplificado; Especialistas alertam para a importância do planejamento e da adaptação estratégica por parte das empresas
A reforma tributária aprovada em 2023 — um marco histórico para o sistema fiscal brasileiro — estabelece profundas mudanças que impactarão diretamente o funcionamento das empresas em todo o país. Com a criação de dois novos tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o objetivo do governo é unificar e simplificar a cobrança dos antigos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, considerados fontes de ineficiência e insegurança jurídica por especialistas.
Segundo a Receita Federal, a atual estrutura tributária faz com que o Brasil seja um dos países onde mais se gasta tempo para apurar e pagar impostos — mais de 1.500 horas por ano, em média, de acordo com o Banco Mundial. A expectativa com a reforma é reduzir esse tempo e tornar o ambiente de negócios mais transparente e competitivo, especialmente com a eliminação da cumulatividade de tributos, que hoje afeta a formação de preços e reduz margens de lucro em diversos setores.
A transição para o novo sistema será gradual e deverá se estender até 2032, exigindo das empresas um processo contínuo de adaptação. Especialistas apontam que para atravessar esse período com segurança, o planejamento tributário ganha uma nova função: mais do que buscar economia fiscal, passa a ser uma ferramenta essencial de governança e gestão estratégica.
O advogado André Peniche, especialista em Direito Tributário e Investimentos, observa que a reforma traz uma oportunidade valiosa para que as empresas reavaliem seus modelos operacionais. “A reforma não é apenas uma mudança de tributos. Ela altera a lógica da tributação sobre o consumo e exige um redesenho dos processos internos, da cadeia de valor e até da precificação”, destaca.
Um dos pontos mais relevantes da nova estrutura é a criação do Imposto Seletivo, voltado à tributação de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e cigarros. Outro avanço importante é a proposta de isenção total da cesta básica nacional, com o objetivo de reduzir a regressividade do sistema e promover maior justiça fiscal.
Contudo, com a substituição e possível extinção de incentivos fiscais utilizados há décadas, empresas que operam com benefícios regionais ou setoriais precisarão redobrar a atenção. A incerteza sobre quais incentivos serão mantidos ou substituídos preocupa setores como o industrial, exportador e de tecnologia.
“Os incentivos não desaparecem, mas mudam de formato. O risco está em não mapear os impactos. Algumas empresas podem perder competitividade se não se anteciparem”, alerta Peniche. Para ele, o maior erro seria manter a estrutura atual, apostando que tudo continuará funcionando da mesma forma.
O novo cenário também amplia o papel da tecnologia na gestão fiscal. Ferramentas de automação, ERPs adaptados às novas regras e análise de dados serão determinantes para garantir conformidade e eficiência durante a transição. Ao mesmo tempo, será essencial capacitar equipes contábeis e jurídicas para lidar com os novos procedimentos e obrigações acessórias.
Peniche reforça que o planejamento deve ser entendido como um processo contínuo e integrado à estratégia da empresa: “Mais do que um exercício técnico, trata-se de pensar o futuro da organização com base em regras que estão sendo redesenhadas. A reforma é uma oportunidade para quem está preparado e um risco para quem ignora as mudanças”.
Em 2024, o debate se intensificou. O Congresso avançou na tramitação dos projetos complementares que definem as regras operacionais dos novos tributos. Foram apresentadas minutas técnicas que tratam de critérios de repartição de receitas entre os entes federativos, regimes específicos para setores como combustíveis, serviços financeiros e saúde, além de medidas de compensação para estados e municípios que possam enfrentar perdas de arrecadação.
Ao longo do ano, empresas começaram a realizar simulações com base nas propostas em discussão e muitas optaram por criar comitês internos voltados à reforma tributária, com apoio de consultorias especializadas. O objetivo tem sido antecipar impactos, ajustar precificações e revisar contratos e modelos operacionais. Grandes grupos passaram a redesenhar sua logística e até a rever sua estrutura societária.
O ano de 2025 marca um momento decisivo. Com a aprovação de parte das leis complementares, o setor privado agora compreende melhor o novo sistema e inicia a fase de ajustes práticos. Ainda existem pontos de indefinição, especialmente quanto à manutenção de créditos tributários acumulados e à regulamentação de regimes favorecidos. Mesmo assim, a expectativa é que o novo modelo traga ganhos de eficiência e reduza litígios ao longo do tempo.
Para as empresas que olham além da conjuntura imediata, a reforma representa uma oportunidade de liderar o processo de transformação fiscal do país. Com planejamento técnico, governança sólida e visão estratégica, é possível não apenas sobreviver à transição, mas se destacar em um ambiente de negócios que tende a ser mais previsível, moderno e competitivo.