Especialista analisa porque áreas estratégicas como RH, jurídico e TI sofrem com baixa atratividade de talentos e apresenta dicas para solucionar o problema
Enquanto muitas empresas enfrentam dificuldades para contratar e reter talentos, uma barreira pouco discutida começa a ganhar atenção: a dificuldade de atrair estagiários para áreas que não fazem parte do core business da companhia. RH, financeiro, jurídico, TI e comunicação — setores essenciais para o funcionamento das empresas — sofrem com baixa procura quando não estão diretamente ligados à atuação principal da organização e suas áreas de negócio.
Mas por que está tão difícil atrair estagiários para essas áreas?
“Há um imaginário muito forte de que só vale a pena estagiar em empresas cuja atividade principal tem relação direta com o seu curso”, explica Jéssica Gondim, especialista em RH e gerente de projetos da Companhia de Estágios. Segundo ela, empresas do ramo farmacêutico, por exemplo, conseguem atrair facilmente estudantes do curso de farmácia. O mesmo vale para companhias de tecnologia, que recebem muitos currículos de estudantes sonhando com carreiras como desenvolvedores ou em infraestrutura.
Por outro lado, essas mesmas empresas enfrentam grande dificuldade para preencher vagas em setores como comercial, administração, marketing ou jurídico, mesmo quando oferecem bons programas de estágio e oportunidades reais de crescimento.
Falta de visibilidade e descompasso entre curso e atividades
Para Jéssica, o problema é, em grande parte, de visibilidade. “O estudante muitas vezes não enxerga aquela empresa como uma possibilidade para sua carreira. Se ele cursa marketing, é mais fácil pensar em estagiar em uma agência ou empresa de mídia do que numa construtora ou indústria farmacêutica”, explica.
Além disso, o estágio precisa ser aprovado pela faculdade com base nas atividades exercidas. Isso cria um filtro adicional. Cursos como Direito, por exemplo, não autorizam que o aluno estagie em áreas puramente financeiras. Já um estudante de marketing pode ter seu contrato negado caso atue com atividades que não envolvam a aplicação prática do conteúdo do curso.
Esse entrave ganha relevância ainda maior diante do baixo índice de inserção de estudantes no mercado de estágio. Segundo dados da Associação Brasileira de Estágios (ABRES), divulgados em fevereiro de 2025, entre os 9.976.782 graduandos no Brasil, apenas 836 mil realizam estágios, o que corresponde a cerca de 8,38%. Quando se considera a população de jovens aptos a estagiar — mais de 20 milhões, considerando nível médio e superior —, a proporção cai para 5,48%. Esses números apontam para o descompasso entre a formação acadêmica e as oportunidades de inserção prática.
A disputa por talentos vai além da marca
A percepção de que empresas especialistas oferecem mais estrutura também pesa na hora da escolha. “O candidato quer se desenvolver. Se ele sente que aquela empresa não é referência no seu campo de formação, pode evitar se candidatar por receio de não ter aprendizado ou apoio suficientes”, diz Jéssica.
Isso não significa que empresas de outros setores não possam atrair esses jovens — mas o trabalho de posicionamento de marca empregadora precisa ser bem feito. Cases como o da Corteva, empresa do setor agro, mostram que é possível conquistar estagiários de áreas diversas ao mostrar como cada trabalho impacta projetos de pesquisa, sustentabilidade e desenvolvimento tecnológico. Em seu último programa de estágios, 27% dos candidatos eram estudantes do curso de Agronomia. Embora o índice para a área core business da companhia seja alto, na avaliação da especialista, ao criar programas de estágio atrativos, com grande potencial de evolução e desenvolvimento, a empresa é bem sucedida na missão de atrair candidatos para as demais áreas.
Mas como tornar as áreas de suporte mais atrativas para os estudantes?
A resposta, segundo a especialista, passa por três frentes: comunicação, estrutura e desenvolvimento, para revelar ao estudante que há um aprendizado real na empresa. Veja a seguir em mais detalhes:
1 – Ter uma trilha de desenvolvimento bem definida, que inclua mentorias, desenvolvimento de soft skills e hard skills, ajuda a demonstrar que, mesmo fora do “core business”, há um caminho de desafios e aprendizado. Empresas que conseguem demonstrar o impacto do trabalho em áreas de suporte ao negócio têm mais chances de conquistar esse público.
2 – Deixar claro os benefícios e as oportunidades é essencial, pois os jovens vão comparar com outras vagas para escolher onde se candidatar. Empresas que oferecem capacitação, como cursos de idiomas, precisam comunicar isso com clareza. Bolsas-auxílio compatíveis com o mercado, possibilidade de trabalho híbrido e planos de desenvolvimento também são fatores que fazem a diferença.
3 – Preparar os gestores também é uma etapa importante, já que os líderes das áreas devem estar capacitados para estimular e desenvolver os estagiários. Isso aumenta a permanência dos jovens na empresa. Iniciativas de capacitação interna, com foco em gestão de pessoas, avaliação de desempenho e feedbacks, têm se mostrado eficazes para ampliar o engajamento dos jovens.
O processo de integração dos estagiários, além de ser uma solução estratégica para oxigenar equipes, é uma ferramenta valiosa para identificar e engajar futuros talentos. “Estagiários trazem novos olhares, estão atualizados com as tendências e ferramentas mais recentes, e ajudam a fortalecer a cultura interna, além de compor o pipeline de sucessão e crescimento da empresa”, afirma Jéssica. Além disso, a especialista comenta que muitas organizações que investem em formação e acompanhamento de estagiários conseguem taxas expressivas de efetivação, o que reduz custos futuros com contratação de profissionais já prontos.