Na data que marca o Dia dos Povos Indígenas, o CROSP destaca o trabalho voluntário de Cirurgiões-Dentistas junto a algumas tribos
Pelo menos uma vez por ano, cerca de 1 tonelada de equipamentos é transportada por uma longa distância até chegar em terras indígenas. Materiais diversos como geradores, combustível, compressor de ar, aparelho de raios X, computador, instrumento rotatório para tratamento de canal e materiais portáteis acompanham a equipe de voluntários da Organização Não Governamental (ONG) Amigo da Vez, que tem à frente o Cirurgião-Dentista e membro do Comitê Gestor das Câmaras Técnicas do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), Dr. Maurício Querido.
Por meio de projetos como “Amigo Nativo”, a ONG leva até algumas tribos do Acre e Matto Grosso mais que atendimento odontológico: informam, previnem e resgatam sorrisos. Cerca de 12 a 25 profissionais (entre os quais Cirurgiões-Dentistas e Médicos) participam de ações como essa, que, segundo o Dr. Maurício, devem acontecer novamente no final deste ano.
O Cirurgião-Dentista explica que os atendimentos direcionados aos povos das comunidades indígenas vão desde a parte de prevenção e profilaxia até o tratamento. Compreendem a aplicação de flúor e a orientação de higiene bucal por meio de palestras, jogos, teatros e atividades que variam de acordo com a dinâmica de cada local. A fase de prevenção é precedida pela realização de restaurações e extrações dentárias e abrange a parte mais complexa, que envolve tratamento de canal e restaurações estéticas para alguns pacientes que precisam de próteses provisórias, pois nessas comunidades não há como levar o forno e a parte de cerâmica. Contudo, de acordo com Dr. Maurício, é feita a provisória e também os consertos de próteses.
O especialista esclarece que para a parte emergencial que envolve dor, geralmente ligada à endodontia, é prestado atendimento endodôntico, realizado pelos profissionais da área. “Em algumas comunidades, nas quais os voluntários voltam de forma recorrente, são feitos implantes dentários e as próteses são executadas depois de um tempo”. Essas comunidades, segundo o Dr. Mauricio, são mais controladas pela ONG, ou seja, contam com um projeto mais voltado para longo prazo, em que é possível voltar entre uma ou duas vezes por ano. “Existe um controle e um acompanhamento de tudo o que fazemos e nesses casos conseguimos fazer os implantes e as próteses posteriormente”.
Esse controle, de acordo com o Cirurgião-Dentista, é feito inclusive com a ajuda de um aplicativo, especialmente criado pela ONG e para uso exclusivo da mesma. O aplicativo permite que sejam inseridas e acessadas, por meio de tablets e outros dispositivos, todas as informações relacionadas ao atendimento dos pacientes das diferentes tribos. Dados como nome, foto, procedimentos realizados, anamnese, quantos passaram pela primeira vez em atendimento, quantos são os pacientes especiais (eles também recebem atendimento) podem ser inseridos por qualquer profissional.
“Apesar da distância, com ajuda de geradores e satélites disponíveis em algumas regiões foi possível fazer a comunicação via internet e as informações foram geradas automaticamente, ao vivo e on-line”. Essa ferramenta, que já foi inclusive cedida para outra ONG, é muito importante, pois, segundo o Dr. Maurício, ela permite registrar como encontraram os pacientes e como foram deixados.
Duas tribos, muitas histórias
Existe uma tribo na região de Porto Belo, em Mato Grosso, que fica na fronteira com o Paraguai. A tribo foi atendida pela ONG em 2018. Ali, segundo Dr. Mauricio, existe uma zona rural cuja população é maior que a população da cidade. “Normalmente, a parte rural é sempre menor, mas, nesse caso, a comunidade rural é maior justamente por causa da aldeia indígena”.
Ele conta que, em 2019, com o início de um projeto mais voltado pra os índios, o projeto “Amigo Nativo”, os voluntários foram para a Tribo Yawanawa. A aldeia fica localizada no Acre, na reserva do Rio Gregório. Depois de desembarcar de ônibus, eles embarcaram nas voadeiras (barcos utilizados pelos índios) e viajaram cerca de 10 horas até chegarem na aldeia principal, onde fizeram a montagem dos equipamentos para realizar o atendimento.
A região em questão, segundo Dr. Mauricio, fica no meio da Floresta Amazônica, isolada de absolutamente tudo, a aproximadamente 70 km da fronteira com o Peru. “Ali, estamos sujeitos às intempéries do clima tropical. Na primeira noite, pegamos uma chuva tropical bem intensa e assustadora que deixou o rio bem cheio. Iniciamos os atendimentos na sequência”.
Nos dez dias que estiveram em missão (cerca de uma semana de atendimentos, dois dias para ir e dois para voltar) participaram dos rituais religiosos e danças e foram muito bem recebidos. “Para nós é um lugar bem diferente, pela quantidade e variedade de bichos, aranhas enormes, mas fomos muito bem cuidados.”
Dr. Mauricio conta que um dos filhos de uma liderança indígena muito importante no Brasil, o índio Biraci Brasil, mandou seu filho para a cidade, onde ele se formou em Odontologia. Johny Yawa fez seu primeiro atendimento na aldeia junto com os profissionais da ONG. “Levamos especialistas e ele aprendeu muito em seu primeiro momento como Cirurgião-Dentista. Isso o inspirou e ele está rodando aquelas regiões e fazendo atendimento parecido com o que é feito”, relata.
A missão da Odontologia nas comunidades indígenas
A Odontologia, de modo geral, é de grande relevância para as comunidades indígenas e tem um grande impacto. Segundo o Dr. Maurício, quando o médico é levado, eles passam em atendimento, contudo é algo mais rápido. “O que eles querem é passar no Cirurgião-Dentista, isso porque em algumas tribos existe o acesso maior ao açúcar. Na tribo Yawanawa, o cacique proíbe refrigerantes, chocolates e doces, pois consideram um veneno, e de fato é para quem não tem acesso à escovação e higiene bucal”.
Contudo, o Cirurgião-Dentista explica que ali, embora longe do açúcar, eles têm outros problemas: as fraturas nos dentes. Segundo ele, dentes quebrados são frequentes porque eles usam os dentes como ferramenta para caça e pesca. Além disso, os índios usam o alimento meio cru, in natura e de forma mais rústica, por isso existe também a necessidade de cuidado bucal.
Outra surpresa grande relatada pelo Cirurgião-Dentista são os dentes escurecidos por causa do hábito de mastigar folhas de coca. “Cada população tem as suas características e difere uma da outra. Na tribo de Mato Grosso, por exemplo, os índios tinham mais cáries porque têm uma proximidade maior com a cidade e o acesso ao açúcar é mais intenso. Nesses casos, tudo é relevante para eles. A gente faz a parte endodôntica para poder reabilitar com uma restauração ou com prótese móvel, muitas vezes com a prótese fixa provisória”.
Por fim, Dr. Maurício considera que o mais importante para que não se perca esse trabalho todo é que seja feita uma boa explicação sobre a saúde bucal e tenha algum instrutor que possa refrescar e cobrar sobre a importância da saúde bucal. Essa é uma tarefa que, de acordo com ele, a ONG Amigo da Vez faz repetidas vezes em todas as comunidades, não apenas nas indígenas. “Incentivamos para que se preserve e mantenha o cuidado. Obviamente, deixamos nas comunidades uma grande quantidade de kits de higiene bucal (escovas e creme dental) para manter o tratamento por tempo maior”.
Dados
O primeiro balanço da coleta de dados do Censo Demográfico 2022 foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 30 de agosto do mesmo ano. Até a data foi registrada a presença de 450.140 indígenas no Brasil.
Em 2010 o Censo IBGE somava 896.917 pessoas divididas em mais de 305 povos indígenas. O Censo de 2010 indicava ainda que 324.834 viviam em cidades e que 572.083 em áreas rurais, o que correspondia aproximadamente a 0,47% da população total do país.
O CROSP destaca a importância dos povos indígenas, sua contribuição para a manutenção do meio ambiente, cultura e história do Brasil. Por isso, reitera a importância de projetos e ações que contribuam para preservação das comunidades e promovam a saúde e bem-estar.