Virgilio Marques dos Santos analisa os desafios e benefícios da transição para uma semana laboral de 36 horas, considerando a produtividade nacional e as adaptações necessárias nos diversos setores econômicos
A recente proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa abolir a escala de trabalho 6×1 e instituir uma jornada semanal de 36 horas tem gerado debates intensos no Brasil. Para entender os possíveis impactos dessa mudança, o Universo do Seguro conversa com Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S, gestor de carreiras e especialista em Engenharia Mecânica pela Unicamp.
Desafios estruturais na implementação da jornada de 36 horas
Virgilio destaca que a transição para uma jornada reduzida enfrenta complexidades significativas. “O Brasil apresenta uma produtividade que corresponde a aproximadamente 25% da dos Estados Unidos”, afirma. “Isso indica a necessidade de produzir a mesma riqueza em menos horas trabalhadas, o que requer investimentos em automação, eficiência nos processos e qualificação da força de trabalho”.
Além disso, ele alerta para os possíveis impactos econômicos. “A redução de horas sem ajuste salarial pode aumentar os custos operacionais, especialmente em setores intensivos em mão de obra, potencialmente resultando em inflação”.
Experiências internacionais e produtividade
Ao analisar exemplos de outros países, Virgilio observa que a redução da jornada pode, em certos contextos, aumentar a produtividade. “Países como Alemanha e Portugal, que possuem jornadas menores, demonstram produtividade elevada”, comenta. “Entretanto, a chave está na forma de implementação: empresas que reorganizam processos, reduzem burocracias e adotam tecnologias eficientes tendem a manter ou até melhorar a produtividade com menos horas de trabalho”.
Equilíbrio entre benefícios aos trabalhadores e competitividade empresarial
Para equilibrar os benefícios aos trabalhadores sem comprometer a competitividade das empresas, Virgilio sugere uma transição planejada. “É essencial um período de adaptação onde as empresas possam testar novos modelos, como escalas diferenciadas ou maior automação, antes de uma mudança definitiva”, recomenda. Ele também enfatiza a importância da qualificação profissional: “Investimentos em capacitação são cruciais, dado o crescimento lento da produtividade brasileira”.
Setores mais impactados pela mudança na jornada de trabalho
Virgilio aponta que setores como tecnologia, consultoria e áreas criativas podem se beneficiar da redução da jornada. “Nesses campos, a produtividade está mais relacionada à qualidade das entregas do que ao tempo dedicado”, explica. Por outro lado, setores que dependem de operações contínuas, como indústria e comércio, podem enfrentar desafios significativos. “No comércio, por exemplo, manter horários estendidos sem aumentar a equipe pode ser inviável, e na indústria, a adaptação de turnos e processos é necessária para evitar queda na produção”.
Adaptações legislativas e empresariais necessárias
Do ponto de vista legislativo, Virgilio sugere maior flexibilidade para que as empresas possam testar diferentes formatos de jornada sem infringir a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Isso poderia ser alcançado por meio de programas-piloto e incentivos para adoção experimental do novo modelo”, propõe. No âmbito empresarial, ele destaca a necessidade de reestruturação de processos: “Trabalhar menos horas exige que cada hora seja mais produtiva, o que implica na redução de burocracias internas, uso estratégico da tecnologia e uma cultura de gestão focada em resultados”.
Planejamento e responsabilidade
Virgilio conclui que a discussão sobre a redução da jornada de trabalho é válida e necessária, mas deve ser conduzida com planejamento e responsabilidade. “Mudanças generalizadas sem considerar as especificidades de cada setor e a realidade econômica do país podem gerar distorções e prejuízos tanto para trabalhadores quanto para empresas”, alerta. “Se implementada corretamente, a redução da jornada pode representar uma oportunidade de crescimento para o país; caso contrário, pode resultar em desafios adicionais para o mercado de trabalho e a economia”.
A proposta da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que visa estabelecer uma jornada de quatro dias de trabalho por semana e três de descanso, já foi protocolada na Câmara dos Deputados e aguarda tramitação.