Confira artigo de Pâmela Sposito, advogada do escritório M3BS Advogados
A notificação de inadimplência voltada aos planos de saúde tem sido tema recorrente nas discussões do mercado de saúde de saúde suplementar, considerando ser requisito essencial para formalização de encerramento contratual do produto, na falta de pagamentos das contraprestações avençadas.
Não é incomum que as operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios fiquem em dúvida no momento de estabelecer seus fluxos de notificação por inadimplência, os quais pretendem reafirmar sua conduta regular mediante uma situação de rescisão.
Originalmente, a Lei 9.656/98 disciplinou que, para os contratos individuais/familiares, a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato poderia ocorrer quando houvesse inadimplência por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o beneficiário seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de sua pendência com a operadora.
Durante anos esse comando legal foi utilizado pelas operadoras para instituição de seus fluxos de notificações, contudo, pelo custo elevado desse instrumento que exigia a ciência inequívoca por meio do aviso de recebimento (AR), os entes regulados iniciaram junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a discussão pela regulamentação de outras formas de comunicação que pudessem atestar a confiabilidade de ciência dos beneficiários e fossem aceitos como documento probatório para eventuais demandas relacionadas ao tema.
Um dos marcos recentes dessa reforma se deu em 2019 com a publicação do Entendimento DIFIS nº 13. Editado pela Diretoria de Fiscalização da ANS, referido instrumento visava conferir ao mercado a permissão para utilização de meios eletrônicos de notificação, os quais poderiam ser aplicados não somente aos planos individuais/familiares, mas a qualquer produto de plano de saúde, desde que observadas regras procedimentais e documentais pertinentes descritos na orientação em comento, como por exemplo, a concordância expressa do beneficiário para recebimento de notificações eletrônicas.
Referido entendimento trazia inovação no setor, considerando a possibilidade de utilização de SMS, WhatsApp, Telegram, Messenger, E-mail e qualquer outra forma em que se pudesse identificar e confirmar a leitura pelo destinatário, bem como que o conteúdo dessa notificação seguisse os preceitos já pacificados no mercado, utilizando linguagem simples e acessível.
Já em 2023, em continuidade ao aprimoramento da legislação, a ANS editou a Resolução Normativa nº 593/23 unificando as regras existentes na Lei 9.656/98, bem como no antigo Entendimento DIFIS nº 13/09 e extinta Súmula nº 28/15.
Nessa oportunidade, a agência reguladora avaliou e recomendou quais os meios admitidos para notificações considerando as possibilidades tecnológicas disponíveis e já utilizadas desde a publicação do Entendimento DIFIS nº 13, como SMS, e-mail, aplicativos de comunicação exclusivos das operadoras etc., além de disciplinar todo regramento operacional para que sejam consideradas válidas para fins de ciência.
Ocorre que, o texto normativo original não contemplava clareza suficiente, não delimitando, em alguns casos, a obrigação de cada ente envolvido na relação contratual, além de instituir deveres que implicavam em dificuldades de comprovação da própria inadimplência, o que gerou impasses no setor.
Diante desse cenário, operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios encaminharam seus questionamentos sobre o tema ao órgão regulador. A ANS, por sua vez, julgou necessário avaliar as contribuições do mercado, optando por uma revisão da referida norma e consequente publicação de alterações.
Após avaliação interna realizada em conjunto com a Procuradoria Federal junto à ANS (PROGE), a agência publicou alterações no texto original trazendo, portanto, esclarecimentos aos entes regulados.
Um dos mais importantes se deu em razão da abrangência de sua aplicação. Isto porque, o mercado não estava seguro quanto ao tipo de produto considerado como obrigatória a observância das regras contidas na normativa, tendo em vista que inicialmente fazia referência somente aos pagamentos realizados pelos beneficiários de forma direta às operadoras, o que sugeria exclusão dos contratos coletivos, principalmente por adesão, tendo em vista que em muitos casos possuem na relação contratual a figura da Administradora de Benefícios que realiza as cobranças de forma apartada, por força da proibição estabelecida pelo artigo 20 da Resolução Normativa nº 557/22.
Assim, por ocasião da publicação da RN/ANS 617/24, restou cristalino que as novas regras de inadimplência se aplicam a todos os produtos de planos de saúde, o que se pode confirmar pela previsão do artigo . Confira-se:
“Art. 3º Para efeito desta Resolução, considera-se:
I – Pessoa natural contratante: pessoa natural que celebra o contrato diretamente com a operadora de planos privados de assistência à saúde, independentemente do tipo de contratação do plano, e é responsável pelo pagamento da mensalidade do plano de saúde, podendo ou não estar vinculada ao contrato como beneficiária, como, por exemplo, nos casos de planos individuais ou familiares e planos coletivos empresariais contratados por empresário individual;
(…)
VI – Operadora: operadora de plano privado de assistência à saúde, inclusive a administradora de benefícios, cabendo a esta última, quando atuar na cobrança do pagamento da mensalidade do plano, a responsabilidade pela notificação ao beneficiário sobre inadimplência ou algum outro fato relevante”. (g.n)
Nesse sentido, resta evidente que além das operadoras, as Administradoras de Benefícios também deverão observar estritamente os fluxos procedimentais de notificação por inadimplência, quando atuar na cobrança direta por delegação, nos limites estabelecidos pelo artigo 2º, § único, inciso V da RN/ANS nº 515/22.
Em termos conceituais, a nova norma também trouxe esclarecimentos expressos, diferenciando os termos “Exclusão”, “Rescisão” e “Suspensão”, para que não restassem dúvidas na adoção das regras de inadimplência quando da construção de fluxos operacionais que contemplassem tais possibilidades.
Para além disso, a ANS inovou ao ditar que na ocorrência de falha operacional que cause ausência de emissão, envio ou acesso ao boleto de pagamento, ou ainda que não seja descontado o devido valor, os dias de inadimplência não serão considerados válidos.
Por fim, destaca-se um ponto interessante de acréscimo às novas regras, que recai sob as operadoras do segmento exclusivamente odontológico. Para essas operadoras, a obrigação de notificação de inadimplência com aviso de recebimento (AR) ou por meio de preposto foi dispensada.
Esse é um dos pontos de evolução regulatória, considerando que as operadoras que atuam nessa modalidade, usualmente, possuem capacidade operacional muito menor que aquelas que atuam no segmento de assistência médica, possuindo inclusive, porte menor, o que merece incentivos a redução desse tipo de custo.
Vale lembrar que a vigência da nova norma já foi prorrogada por duas vezes, sendo a última data definida como 1º de dezembro de 2024 após aprovação da Diretoria Colegiada por ocasião da 610ª Reunião da DICOL.
Assim, em que pese as regras de notificação por inadimplência ainda não estejam surtindo efeitos em razão da prorrogação de sua vigência, as operadoras devem se preparar.
Como visto, a nova norma traz particularidades operacionais que podem impactar nas respostas e documentos encaminhados à ANS em sede de fiscalização, independente do meio de comunicação que seja escolhido pelo ente regulado.
Portanto, esse é o momento ideal para as operadoras e administradoras de benefícios adequarem seus fluxos de notificação e consequente rescisão contratual, possibilitando a diminuição de demandas e riscos de infrações regulatórias.
Nesse sentido, medidas estratégicas podem facilitar o processo de conformidade regulatória, como a revisão e padronização de fluxos operacionais; implementação de ferramentas de comunicação digital; capacitação de equipes e treinamentos; instituição de fluxo de guarda e atualização de documentos, além da revisão dos processos de comunicação com os beneficiários.
Em resumo, a RN 593/23 representa um passo importante na padronização e modernização dos fluxos de notificação por inadimplência, abrangendo tanto as operadoras de planos de saúde quanto as administradoras de benefícios. A preparação cuidadosa e a adaptação às exigências dessa normativa são essenciais para mitigar riscos de penalidades e garantir a segurança jurídica em caso de fiscalizações futura.