Terapeuta João Borzino destaca implicações biológicas, mentais e sociais do uso passivo de telas por longos períodos deitado na cama
O termo bed rotting ganhou espaço nas redes sociais para descrever o hábito de passar horas, às vezes quase o dia todo, deitado na cama, acordado, consumindo conteúdos em telas. Não é descanso nem sono prolongado, mas uma rotina marcada por séries em sequência, vídeos curtos, rolagem infinita nas redes sociais e lanches rápidos, com pouca interação com o ambiente e com outras pessoas.
O médico e terapeuta João Borzino explica que o fenômeno não é apenas “preguiça” ou vontade de ficar em casa. O comportamento se aproxima de quadros já conhecidos na literatura, como a clinofilia – impulso patológico de permanecer deitado mesmo sem dormir, comum em casos de depressão – e a chamada bedtime procrastination, quando a pessoa adia a hora de dormir para “ter mais tempo para si” e estica o uso de telas noite adentro. No bed rotting, porém, permanecer na cama passa a ocupar grande parte do dia, interferindo em rotina, relacionamentos e saúde.

Consequências físicas do bed rotting
Do ponto de vista físico, longos períodos de imobilidade na cama reduzem o gasto energético, comprometem a saúde músculo-esquelética e prejudicam o condicionamento, especialmente em crianças e adolescentes, que ainda estão em fase de crescimento. “Quando a cama deixa de ser sinônimo de descanso e vira o lugar onde se estuda, se come e se passa o dia, o organismo perde a referência do que é hora de dormir e do que é hora de estar ativo”, afirma Borzino.
A consequência é um sono mais leve, dificuldade para adormecer, despertares noturnos e, com o tempo, maior risco de alterações metabólicas, como ganho de peso, desregulação da glicemia e da pressão arterial. A combinação de sedentarismo, noites mal dormidas e uso excessivo de telas forma um cenário que preocupa especialistas em saúde física e saúde mental.
Impactos na saúde mental e na vida social
Os efeitos emocionais também chamam atenção. Muitos jovens relatam que não ficam na cama por escolha, mas por falta de energia para sair dela. O comportamento funciona como fuga temporária de demandas da escola, da faculdade, do trabalho ou da vida social, porém tende a agravar sintomas de depressão e ansiedade. “A cama vira um lugar onde o mundo deixa de cobrar, mas também onde a vida deixa de acontecer. No início parece um refúgio, depois se transforma em prisão”, observa o especialista.
A exposição contínua a telas intensifica esse quadro: quanto mais tempo on-line, mais difícil interromper a maratona digital e retomar atividades fora do quarto. No campo social, o bed rotting reduz a convivência com família e amigos, enfraquece vínculos e aumenta a sensação de solidão. Encontros presenciais passam a ser evitados, reuniões são desmarcadas e o contato se restringe a mensagens e comentários nas redes. Aos poucos, a rotina fora de casa perde espaço e o quarto se transforma no principal cenário da vida cotidiana.
Por que o bed rotting cresce entre as novas gerações
O contexto em que as novas gerações cresceram ajuda a entender por que o fenômeno ganha força justamente agora. A hiperconexão, com notificações constantes e estímulos visuais e sonoros a todo momento, exige atenção permanente e contribui para a sensação de esgotamento. Ao mesmo tempo, há pressão por desempenho acadêmico e profissional, exposição intensa nas redes e incertezas em relação ao futuro.
“O bed rotting aparece como resposta a um cenário de excesso. É uma tentativa de pausa em um mundo que não para”, analisa o terapeuta. A falta de espaços públicos seguros, de contato com a natureza e de redes de apoio presenciais completa o quadro e favorece a escolha pela cama, pelo quarto e pela tela como refúgio diário.
Sinais de alerta e momento de buscar ajuda
Nem todo dia de descanso prolongado indica um problema, mas alguns sinais sugerem que o hábito passou do limite. Entre eles estão o aumento progressivo do tempo em que a pessoa permanece deitada quando deveria estar em atividade, a perda de interesse por compromissos importantes, a piora do sono mesmo com mais horas na cama, a negligência de alimentação, higiene e responsabilidades, o isolamento de familiares e amigos e a sensação persistente de apatia, culpa ou incapacidade de reagir. Em muitos casos, esses indícios se somam a um histórico de depressão, ansiedade ou outros transtornos mentais.
Nessas situações, a orientação de João Borzino é buscar ajuda especializada o quanto antes. “Quando o jovem percebe que não consegue romper sozinho o ciclo da cama e da tela, é hora de conversar com um profissional. O mesmo vale para pais e responsáveis que notam mudanças bruscas de comportamento”, reforça. O acompanhamento psicológico ou psiquiátrico permite investigar causas, tratar possíveis transtornos associados e construir, passo a passo, uma rotina mais saudável.
Papel da família, da escola e da sociedade
Família, escola e serviços de saúde também têm papel importante no enfrentamento do bed rotting. A aproximação cuidadosa, sem rótulos como “preguiçoso” ou “dramático”, facilita o diálogo e reduz a resistência à ajuda. Estabelecer combinações sobre horários de uso de telas, incentivar atividades fora do quarto, retomar esportes, lazer e convivência em grupo são medidas simples, mas efetivas para reequilibrar o cotidiano.
Em paralelo, políticas públicas voltadas à saúde mental de adolescentes e jovens, com oferta de espaços de convivência, cultura e esporte, ajudam a diminuir o isolamento e o tempo excessivo de telas.
Na avaliação de Borzino, o desafio não é demonizar o descanso nem o uso de tecnologia, e sim recuperar o lugar da cama como espaço de repouso, não de fuga permanente. “Descansar um pouco mais em um dia difícil faz parte da vida. O problema começa quando a cama se torna o único lugar onde a pessoa sente que pode existir. Precisamos resgatar o movimento, o contato e o prazer de estar no mundo real”, conclui.
*Com informações de VH Assessoria.
