Confira artigo de Reinaldo Soares de Camargo, Doutor em Economia pela Universidade Católica de Brasília
O debate sobre crescimento econômico no Brasil ainda se concentra em variáveis tradicionais — juros altos, incerteza fiscal e produtividade. Mas há um fator estrutural, silencioso e persistente, que segue fora da equação macroeconômica: a insegurança pública.
Ela não é apenas uma questão social, mas um vetor econômico com peso mensurável sobre o PIB, a competitividade e a atração de investimentos. Em uma economia que cresce cerca de 2% ao ano, a violência e o crime organizado funcionam como um freio invisível à prosperidade. A segurança pública, longe de ser custo, é insumo de crescimento — um elemento essencial para a estabilidade e a confiança.
Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimam que os custos diretos da criminalidade e da violência alcançaram 3,4% do PIB da América Latina em 2022, somando perdas em produtividade, gastos privados com segurança e despesas públicas em policiamento e justiça. No Brasil, a economia subterrânea movimenta mais de R$ 350 bilhões por ano, o equivalente a cerca de 4% do PIB nacional.
Essas atividades ilícitas se infiltram em setores estratégicos — combustíveis, bebidas, mineração e contrabando — gerando concorrência desleal, redução de arrecadação e erosão da confiança empresarial. Só no setor de combustíveis, as fraudes e sonegações causam perdas próximas a R$ 29 bilhões anuais, comprometendo investimentos e empregos formais. Esses recursos alimentam circuitos de lavagem de dinheiro e corroem gradualmente a integridade do ambiente de negócios.
O impacto é macroeconômico. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta que países latino-americanos poderiam acrescentar até 0,5 ponto percentual ao crescimento anual se reduzissem as taxas de violência à média mundial — um efeito equivalente a programas permanentes de estímulo econômico. A criminalidade opera como um imposto invisível sobre o capital, elevando custos operacionais e reduzindo a produtividade.
Cidades com altos índices de homicídios e extorsões sofrem retração do investimento privado e do turismo, enquanto regiões dominadas por facções enfrentam fuga de capital e retração do crédito. A violência se converte em um custo sistêmico, afetando desde a estrutura de preços até a curva de crescimento potencial.
A UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) reforça o diagnóstico: a América Latina responde por mais de um terço dos homicídios relacionados ao crime organizado no mundo. O Brasil figura entre os países com maiores taxas absolutas, apesar da leve queda registrada em 2024. Essa redução, embora relevante, não altera o quadro estrutural: o país ainda convive com níveis de violência muito superiores à média global e com impactos econômicos persistentes sobre investimento e produtividade.
Segundo o BID, quase metade dos custos da violência recai sobre empresas privadas, que destinam cerca de 1,5% do PIB a medidas de segurança — capital que poderia ser aplicado em inovação e expansão produtiva. O avanço do crime organizado também altera a composição territorial da economia. Relatórios da Global Initiative Against Transnational Organized Crime (2025) mostram que a presença de facções em regiões do Norte e Nordeste tem reconfigurado fluxos logísticos e cadeias produtivas, criando zonas de exclusão econômica e dificultando investimentos em infraestrutura, energia e transporte.
Somados, os efeitos da violência sobre produtividade, consumo, investimento e gasto público equivalem a cerca de 3,4% do PIB nacional — valor superior ao total destinado a programas sociais e mais de dez vezes o investimento público em pesquisa e desenvolvimento. Esse peso fiscal e institucional ajuda a explicar por que o Brasil permanece preso em um ciclo de crescimento baixo, informalidade alta e desconfiança crônica.
A ausência de uma política de segurança articulada como política de Estado perpetua o desperdício de capital humano e bloqueia a inovação. Superar essa armadilha exige uma nova visão: a segurança pública deve ser tratada não como despesa orçamentária, mas como investimento produtivo. Integrar inteligência, tecnologia, interoperabilidade de dados e rastreabilidade financeira é tão estratégico quanto investir em infraestrutura física.
A experiência internacional mostra que países que reduziram a violência estrutural obtiveram ganhos duradouros em produtividade, investimento privado e confiança social. Se o Brasil quiser alcançar taxas de crescimento compatíveis com seu potencial, precisará colocar a segurança pública no centro da política econômica.
