Zurich no Brasil

Seguro Paramétrico no Setor Rural: Perspectivas e Desafios Jurídicos

Foto por: Nathan Anderson/ Unsplash Images
Foto por: Nathan Anderson/ Unsplash Images

Confira artigo de Suely Tamiko Maeoka, advogada no Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica

O setor agrícola brasileiro, responsável por uma parcela significativa do PIB nacional e das exportações, enfrenta constantemente os desafios impostos pelas variações climáticas. Secas prolongadas, geadas tardias, chuvas excessivas e outros fenômenos meteorológicos representam riscos substanciais que podem comprometer safras inteiras e a sustentabilidade econômica dos produtores rurais. Neste contexto, o seguro paramétrico baseado em índices climáticos surge como uma ferramenta inovadora de gestão de riscos, oferecendo uma alternativa ágil e transparente ao modelo tradicional de seguro agrícola.

Diferente do seguro rural convencional, que exige comprovação e avaliação de perdas reais por meio de perícias, o seguro paramétrico utiliza parâmetros climáticos objetivos e previamente estabelecidos, como volume de chuvas acumuladas, temperatura, umidade relativa e índices de vegetação obtidos por satélite. O pagamento da indenização ocorre automaticamente quando o gatilho contratado é atingido, dispensando vistoria no local.

O funcionamento é simples e objetivo: segurado e seguradora acordam sobre índices climáticos específicos para cada cultura e região; os dados são coletados de fontes independentes como INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), estações meteorológicas automáticas, sensores remotos ou imagens de satélite; e, uma vez atingido o gatilho predefinido, o pagamento é processado automaticamente, sem necessidade de vistoria no campo.

As vantagens para o produtor rural são notáveis. A principal é a agilidade na indenização, que pode ocorrer entre 24 e 72 horas após o acionamento do gatilho, permitindo ao produtor rural tomar decisões imediatas como replantio, aquisição de insumos para recuperação ou mitigação de perdas financeiras durante o ciclo produtivo. Há também maior transparência e previsibilidade, com termos contratuais claros baseados em dados públicos e verificáveis, eliminando disputas sobre a extensão das perdas e reduzindo significativamente o tempo de resolução de sinistros.

Esta modalidade pode ser mais acessível para pequenos produtores e regiões tradicionalmente negligenciadas pelo seguro rural tradicional, como áreas fora do Zoneamento Agrícola de Risco Climático ou propriedades em locais de difícil acesso para perícias. Além disso, o governo brasileiro, através do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), tem incentivado esta modalidade, oferecendo subsídios que podem chegar a 45% do prêmio para determinadas atividades e regiões, tornando-o ainda mais atrativo economicamente.

Contudo, o principal desafio técnico é o risco de base, particularmente relevante na agricultura devido à variabilidade espacial e temporal dos fenômenos climáticos. Este risco manifesta-se geograficamente quando uma estação meteorológica está distante da propriedade rural e as condições climáticas variam significativamente mesmo em distâncias relativamente curtas; temporalmente quando os períodos críticos para cada cultura não coincidem exatamente com os períodos de medição dos índices; e por tipo de cultivo quando diferentes variedades, tecnologias de produção e práticas de manejo resultam em respostas distintas aos mesmos parâmetros climáticos.

No contexto do agronegócio brasileiro, o ponto mais complicado para a plena implantação do seguro paramétrico reside na adaptação do arcabouço regulatório da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) a uma modalidade que fundamentalmente difere do modelo tradicional de seguro rural.

A legislação brasileira de seguros rurais foi construída sobre o princípio da indenização da perda real, comprovada através de laudos técnicos e perícias agronômicas. O seguro paramétrico, ao pagar com base em gatilhos climáticos independentemente da perda efetiva, cria um desafio jurídico fundamental para seu enquadramento legal.

O Brasil, com suas dimensões continentais e vasta diversidade climática, enfrenta desafios significativos na qualidade e densidade da infraestrutura de dados meteorológicos. A heterogeneidade e, em muitas regiões rurais, a escassez de estações meteorológicas de alta qualidade dificultam a obtenção de séries históricas consistentes e representativas. Esta limitação na infraestrutura de dados agrava o risco de base e torna a modelagem e calibração dos gatilhos mais complexas e custosas, especialmente para culturas e regiões com dados históricos limitados.

A harmonização com programas governamentais existentes como PROAGRO (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária) e o PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural) representa outro desafio regulatório, com questões sobre complementaridade, sobreposição de coberturas e tratamento tributário das indenizações que precisam de clareza regulatória.

A SUSEP e o MAPA enfrentam ainda o desafio de garantir que os produtos paramétricos sejam justos e adequados às necessidades dos produtores rurais, incluindo definição clara de ativo segurável no contexto agrícola, cálculo de reservas técnicas adequadas para riscos climáticos, transparência na comunicação sobre limitações e risco de base, e mecanismos de resolução de disputas específicos para o setor rural.

A complexidade do conceito de seguro paramétrico e do risco de base exige um esforço significativo na educação dos produtores rurais, técnicos agrícolas e canais de distribuição. A falta de compreensão pode gerar desconfiança e limitar a adesão, apesar dos benefícios evidentes.

As perspectivas futuras para o agronegócio brasileiro são promissoras. O desenvolvimento de tecnologias como sensores IoT (Internet das Coisas) no campo, imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial, e modelos de inteligência artificial promete mitigar significativamente o risco de base e melhorar a precisão dos produtos paramétricos.

Por sua vez, em um cenário de mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos, o seguro paramétrico torna-se uma ferramenta essencial para a resiliência do agronegócio brasileiro. E também projetos de lei como o PL 2951/2024 buscam fortalecer o mercado de seguros rurais e aprimorar a gestão de riscos no campo, criando um ambiente mais favorável para inovações como o seguro paramétrico.

Assim, a crescente digitalização do agronegócio brasileiro, com adoção de agricultura de precisão e monitoramento por satélite, cria um ambiente propício para a expansão do seguro paramétrico, que se beneficia diretamente dessas tecnologias.

A aplicação é ampla: para culturas anuais como soja e milho, protege contra secas em fases críticas; para o algodão, cobre chuvas na colheita; e para o arroz, protege contra falta de água em lavouras de sequeiro. Em culturas perenes como café e citros, há cobertura contra geadas e eventos extremos; na cana-de-açúcar, contra seca e excesso de chuva. Na pecuária, pode ser utilizado para monitorar pastagens por índices de biomassa via satélite ou para cobrir riscos em confinamentos.

Desta forma, o seguro paramétrico em índices climáticos representa uma ferramenta poderosa para fortalecer a resiliência do agronegócio brasileiro frente aos crescentes desafios climáticos. Sua capacidade de oferecer indenizações rápidas e transparentes pode transformar a gestão de riscos no campo, especialmente para pequenos e médios produtores.

Contudo, para que esta modalidade atinja seu pleno potencial no setor rural brasileiro, é imperativo que o país desenvolva um arcabouço jurídico e regulatório específico e robusto, que endereça as particularidades do setor agrícola, garanta a proteção adequada do produtor rural, e promova investimentos na infraestrutura de dados climáticos necessária.

Por fim, a plena realização do potencial do seguro paramétrico no agronegócio brasileiro dependerá de um esforço coordenado entre reguladores, seguradoras, provedores de dados climáticos e representantes do setor rural para modernizar o ambiente regulatório e criar as condições necessárias para esta revolução na gestão de riscos agrícolas. Somente com um ambiente legal favorável e uma infraestrutura de dados robusta será possível colher os frutos desta inovação securitária, contribuindo para a sustentabilidade e competividade agronegócio brasileiro no cenário global.

Total
0
Shares
Anterior
Brics segue com postura conservadora sobre combustíveis fósseis, apesar de apelo sobre financiamento climático
brown tree

Brics segue com postura conservadora sobre combustíveis fósseis, apesar de apelo sobre financiamento climático

Declaração da XVII Cúpula do Brics reconhece ‘responsabilidade compartilhada’ na

Próximo
Inadimplência de pessoas físicas deve se manter estável no terceiro trimestre de 2025, projeta IBEVAR – FIA Business School
woman reading book

Inadimplência de pessoas físicas deve se manter estável no terceiro trimestre de 2025, projeta IBEVAR – FIA Business School

O Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (IBEVAR), em

Veja também