A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou o trancamento de um inquérito policial que vem tramitando há mais de nove anos. Para o colegiado, a situação violou o princípio da razoável duração do processo e configurou constrangimento ilegal ao investigado, que teve de conviver durante todo esse tempo com a condição de suspeito da prática de crime.
O procedimento foi instaurado para apurar a conduta de um advogado que, supostamente, teria desviado valores de uma cliente idosa, a qual morreu ao longo da persecução penal. Após quatro anos sem movimentações no inquérito, o delegado apresentou relatório em que concluiu pela inexistência de prova da materialidade do crime e de indícios de autoria. O Ministério Público, no entanto, pediu que a investigação continuasse. Durante todo o período, não foi decretada a prisão preventiva, nem foram impostas outras medidas cautelares contra o investigado.
A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), na tentativa de trancar o inquérito, mas a corte denegou a ordem por considerar que as investigações não causaram nenhum prejuízo ao suspeito, que nem mesmo chegou a ser indiciado.
Inquérito excessivamente longo configura constrangimento
No julgamento do pedido de habeas corpus dirigido ao STJ, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que o prazo para finalização do inquérito, quando o investigado está solto, é impróprio, ou seja, permite-se prorrogação a depender da complexidade das apurações. Por outro lado, apontou, o ordenamento jurídico brasileiro é orientado pela razoável duração do processo e, portanto, não se admite que um cidadão seja investigado indefinidamente.
Como o caso não tinha maior complexidade nem pluralidade de réus, e tampouco houve ações da defesa que embaraçassem o andamento da apuração, o ministro entendeu que ficou configurada "flagrante desídia" por parte dos órgãos de investigação, pois não conseguiram encerrar um inquérito instaurado em 2013.
"Ano que vem, o inquérito comemorará bodas de estanho – dez anos. Admitir essa demora será passar o pano para um evidente desinteresse do Estado em se estruturar para prestar dignamente suas funções", declarou Sebastião Reis Júnior, cujo voto foi acompanhado pela maioria da Sexta Turma.
Direito de punir e direito à razoável duração do processo devem ser conciliados
Segundo o ministro, o fato de o indiciado não ter sofrido os efeitos de medidas restritivas não afasta o constrangimento ilegal, tendo em vista que o caso se relacionava diretamente ao exercício de sua profissão. Recorrendo à jurisprudência da corte, ele mencionou o RHC 135.299 para dizer que, mesmo sem a decretação de prisão preventiva ou outra medida cautelar, "o prolongamento do inquérito policial por prazo indefinido revela inegável constrangimento ilegal ao indivíduo, mormente pela estigmatização decorrente da condição de suspeito de prática delitiva".
Em sua fundamentação, o magistrado ponderou que a análise de situações assim deve buscar o equilíbrio entre o direito de punir do Estado e o direito ao prazo razoável do processo, sem deixar de lado as consequências pessoais para quem figura no polo passivo de uma investigação criminal.
Para ele, nada há no caso que justifique os nove anos de investigação. "Não vejo outro caminho que não determinar o trancamento da investigação aqui questionada, sem prejuízo da abertura de nova investigação, caso surjam provas substancialmente novas", concluiu o ministro em seu voto.