Em vigor desde 6 de agosto, sobretaxa gera pressão sobre o fluxo de caixa das companhias exportadoras, elevando risco sistêmico de inadimplência
A decisão do governo norte-americano de aplicar uma tarifa extra de 50% sobre grande parte das importações brasileiras pode desencadear uma onda inédita de atrasos de pagamento entre empresas e pressionar a recuperação de crédito B2B no Brasil, avalia Silvano Boing, CEO da Global, maior recuperadora de crédito empresarial do país.
A medida, assinada pelo presidente dos Estados Unidos em 30 de julho, entrou em vigor no dia 6 de agosto e abrange produtos de setores-chave como agroindústria, metalurgia, máquinas industriais e alimentos processados. Com a nova tarifa, afirma Boing, os exportadores brasileiros têm poucas opções. Ou reduzem preços e margens, ou simplesmente abandonam o mercado norte-americano. Ambas as decisões têm o potencial de comprimir severamente o fluxo de caixa dessas empresas.
“Esse aumento tarifário gera um choque direto no capital de giro das exportadoras nacionais. Ao precisarem reduzir preços para manter contratos ou recuar do mercado americano, essas empresas iniciam um efeito-dominó, no qual fornecedores de insumos, transportadoras e prestadores de serviços podem começar a enfrentar atrasos nos pagamentos, colocando toda a cadeia sob risco”, alerta Boing.
Tarifa chega em momento crítico
O executivo destaca que a medida dos EUA chegou em um momento crítico, no qual o mercado brasileiro já registra alta de inadimplência corporativa e condições mais restritivas no crédito bancário. Segundo o Banco Central, o índice de inadimplência em operações de crédito livre para empresas chegou a 4,2% no primeiro semestre de 2025, maior nível desde 2021. Além disso, dados mais recentes do Índice Global de Recuperação (IGR), levantamento semestral realizado pela Global, confirmam o crescimento preocupante da inadimplência B2B no país.
De acordo com o novo relatório da Global, segmentos estratégicos da economia brasileira já enfrentam desafios significativos mesmo antes da nova sobretaxa norte-americana. Alimentos e Bebidas lidera o ranking de inadimplência empresarial, seguido por setores como Bens de Consumo Não Duráveis, Financeiro, Atacadista e Distribuidor, além de Construção e Projetos.
“Os exportadores de commodities têm alguma flexibilidade para buscar novos mercados. Mas setores como manufaturados, máquinas e alimentos processados sofrem impacto direto, com risco imediato de interrupções em contratos, queda de receita e aumento nos estoques, o que pressiona ainda mais a liquidez operacional e aumenta o risco de inadimplência em cadeia”, analisa o executivo.
Segundo estimativa da Fundação Dom Cabral (FDC), cerca de 10,8 mil empresas brasileiras de médio porte que são exportadoras estão entre as mais afetadas diretamente pela nova tarifa. Essas empresas, por terem menor capacidade de absorver choques financeiros e menor flexibilidade de capital de giro, tornam-se particularmente vulneráveis, ampliando ainda mais o risco de inadimplência sistêmica, afetando a liquidez do mercado como um todo.
Impactos econômicos e como mitigar riscos
Economistas e entidades setoriais já alertam para perdas imediatas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) projeta perda inicial de R$ 52 bilhões em exportações brasileiras aos EUA, com risco de eliminação de até 110 mil empregos já nos próximos meses.
Diante desse cenário adverso, o CEO da Global recomenda que empresas brasileiras, especialmente aquelas diretamente afetadas pela medida norte-americana, adotem estratégias preventivas para mitigar o risco de inadimplência.
“É essencial agir cedo e usar inteligência de dados para reduzir o risco de a dívida virar perda. Uma régua de cobrança, que dispara ações já nos primeiros dias de atraso, se torna ainda mais estratégica neste momento. O termo popular de ‘quem chega primeiro bebe água limpa’ se torna crucial neste momento. Quem atua rapidamente preserva seu fluxo de caixa e reduz significativamente o risco de inadimplência e perdas”, orienta Boing.
Dados do IGR reforçam a importância dessa agilidade. De acordo com o levantamento, 82% das dívidas B2B são recuperadas quando tratadas nos primeiros 10 dias de atraso. Até 20 dias, esse índice ainda permanece superior a 70%. Porém, essa taxa cai drasticamente com o passar do tempo, ficando perto de 50% em 30 dias e chegando a apenas 12% depois de 180 dias.
Para enfrentar esse desafio, empresas brasileiras já buscam mercados alternativos e reforçam programas internos de gerenciamento de riscos financeiros. No âmbito governamental, além das tratativas diplomáticas em andamento com os EUA, governos estaduais e federais avaliam lançar linhas emergenciais de crédito via BNDES e bancos públicos para empresas afetadas.
“Embora a situação seja complexa, é possível mitigar os danos com ações rápidas e coordenadas. Esse é um momento crítico para que empresas reforcem sua gestão financeira, adotem políticas mais cautelosas de crédito e, principalmente, façam da cobrança preventiva uma ferramenta estratégica, bem como ações rápidas e eficazes com diversos canais de acionamento logo após o vencimento”, conclui Boing.