Confira artigo de Rubens Macedo, Business Vice President da GFT Technologies no Brasil
Historicamente, o seguro no Brasil carrega uma imagem pouco atrativa. Diferente de produtos de consumo desejáveis, ele costuma ser associado a um gasto necessário, e não a um investimento em proteção ou tranquilidade. Essa noção é intensificada pelo chamado risco Brasil, que eleva custos e amplia a sensação de que o seguro é apenas mais uma despesa imposta por um ambiente de insegurança, incerteza econômica e jurídica e não um instrumento de estabilidade e previsibilidade financeira.
Essa percepção cultural dificulta a adesão, mesmo diante de uma realidade cada vez mais suscetível a riscos climáticos, sanitários e econômicos. Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o país enfrentou perdas de mais de R$ 100 bilhões devido às chuvas no Rio Grande do Sul em 2024, com apenas R$ 6 bilhões indenizados pelo setor. O abismo entre perdas e cobertura mostra não apenas uma baixa penetração do seguro, mas uma oportunidade gigantesca para transformação e crescimento.
Mudar esse cenário não depende apenas de educação financeira, embora ela seja essencial. O setor precisa se reinventar, oferecendo produtos mais simples, acessíveis e personalizados. Mercados maduros, como o norte-americano, já oferecem microsseguros que cobrem apenas partes específicas do patrimônio, como o telhado de uma casa em áreas de furacões. Essa abordagem permite que as pessoas experimentem o valor da proteção sem o peso psicológico e financeiro de uma apólice completa. No Brasil, a ausência de produtos desse tipo mantém o seguro distante do consumidor médio. A inovação em precificação e personalização pode aproximar o seguro de públicos que hoje sequer cogitam contratá-lo, transformando-o em um aliado da proteção e não em mais um peso no orçamento.
Neste sentido, a tecnologia é uma alavanca crítica para viabilizar essa mudança. O setor segurador brasileiro ainda apresenta baixa maturidade digital. Isso limita o desenvolvimento de produtos acessíveis, já que estruturas legadas, como mainframes, têm custos elevados de operação e dificultam a agilidade necessária para inovar. Enquanto as insurtechs avançam rapidamente com arquiteturas modernas, muitas seguradoras tradicionais ainda enfrentam um cenário de “correr atrás do prejuízo”, investindo em transformação digital para não perder espaço.
Ao migrar para soluções mais leves e escaláveis, o setor não apenas reduz custos, mas amplia o alcance de seus serviços. Um exemplo citado por especialistas é a possibilidade de vender produtos simples, como títulos de capitalização a R$ 1,30, para públicos de lojas de varejo, algo inviável em sistemas legados de alta plataforma, como mainframes, que possuem elevado custo de processamento, manutenção e operação. O ambiente em Cloud, mais do que Inteligência Artificial (IA), surge como a peça-chave para democratizar o acesso e permitir modelos inovadores, como o seguro sob demanda e as plataformas SaaS, nas quais o cliente pode contratar, alterar e cancelar produtos com a mesma facilidade com que gerencia uma assinatura de streaming.
Contudo, a transformação tecnológica por si só não basta. É preciso trabalhar a jornada do cliente e desmistificar o seguro. Iniciativas como o encontro Diálogo Setorial, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), mostram um esforço em integrar educação securitária ao cotidiano da população, com projetos em escolas e campanhas contínuas. A lógica é simples: consumidores mais informados não apenas entendem o valor da proteção, mas se tornam mais propensos a planejar financeiramente o futuro, contribuindo para a saúde econômica do país. A CNseg, por exemplo, aponta que a arrecadação do setor cresceu 5,9% no primeiro trimestre de 2025, mesmo em um cenário econômico instável, reforçando o potencial desse mercado quando há investimento em conscientização.
A jornada digital e o seguro como SaaS representam um caminho natural para fidelização. Assim como serviços financeiros digitais já conquistaram o público ao oferecer praticidade e transparência, o setor de Seguros pode seguir a mesma trilha. Uma plataforma na qual o cliente customiza coberturas, contrata em minutos e acompanha sua apólice em tempo real cria uma relação de confiança – algo que reduz a percepção de “gasto” e eleva a de “investimento em proteção”.
Para que isso aconteça, o setor precisa unir tecnologia, cultura e estratégia de negócio. Ao investir em cloud e em inteligência orientada por dados (data-driven intelligence), as seguradoras conseguem criar produtos mais competitivos e personalizar ofertas, tornando microsseguros e pacotes sob medida mais atrativos a novos públicos, consolidando assim a proteção como um hábito cultural. A transformação depende de um ecossistema educativo e colaborativo, no qual seguradoras tradicionais, insurtechs, órgãos reguladores e sociedade civil se alinhem.
O mercado segurador brasileiro vive um momento de inflexão paradoxal. A combinação de educação, inovação e personalização pode converter um setor ainda visto como burocrático em um serviço essencial, acessível e desejado. O desafio está lançado: deixar de vender apenas apólices para vender tranquilidade.