Especialista da Rico traça paralelos entre novela e o mercado financeiro para explicar como diferentes perfis tomam decisões de investimento
Por Maria Giulia Figueiredo, analista de research da Rico
Em 1988, Vale Tudo entrou para a história da teledramaturgia brasileira ao levantar uma pergunta que ainda provoca reflexões: vale a pena ser honesto no Brasil? A trama trouxe personagens memoráveis, dilemas morais e, principalmente, uma cena icônica — a da mala com US$ 800 mil, dinheiro desviado por Marco Aurélio ao fugir do país.
Agora, com o remake da novela ganhando espaço em 2025, essa cena volta à tona, mas com uma nova roupagem: e se aquela mala — agora com US$ 1 milhão — não tivesse cruzado ilegalmente as fronteiras? E se esse valor fosse aplicado no mercado financeiro, seguindo o estilo de cada personagem principal?
Nesta análise, usamos a cultura da teledramaturgia como ponte para a educação financeira, traduzindo perfis clássicos de investidor com base no comportamento de cinco personagens de Vale Tudo. Eles ilustram como personalidade, objetivos e grau de conhecimento moldam decisões — e resultados — no mundo dos investimentos.
Maria de Fátima – A investidora impulsiva (ou especuladora nata)
Ambiciosa, impulsiva e disposta a tudo por ascensão social, Maria de Fátima provavelmente veria a mala como um bilhete dourado para o estrelato. Mas em vez de investir com estratégia, ela buscaria uma tacada certeira: aplicaria todo o valor em uma única oportunidade “promissora”, na esperança de multiplicar rapidamente o montante — sem análise, sem diversificação, sem plano B.
Esse tipo de comportamento é típico de perfis extremamente arrojados e desinformados, que confundem ousadia com imprudência. Ao colocar todos os ovos na mesma cesta, Fátima estaria se expondo a riscos desproporcionais, em busca de ganhos imediatos que dificilmente se concretizariam de forma sustentável.
Se ela aplicasse os US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,6 milhões considerando o câmbio atual) em um único ativo volátil — como ações de uma empresa especulativa ou um criptoativo com baixa liquidez — o resultado poderia ser tanto um pico de valorização quanto uma perda significativa de patrimônio em pouco tempo.
No gráfico abaixo, ilustramos o desempenho acumulado nos últimos 12 meses, de junho de 2024 a maio de 2025, de um investimento de 5,6 milhões de reais na criptomoeda Ethereum, que apresentou uma perda de 32,80% do valor inicialmente investido.
Agora, se Fátima tivesse optado por uma abordagem disciplinada, aplicando o valor, por exemplo, no Tesouro Selic — o investimento considerado mais seguro do Brasil — com rendimento de 12% ao ano (valor acumulado dos últimos 12 meses), poderia gerar um ganho mensal líquido estimado de R$ 41.230,00, já descontado o IR. Um valor expressivo, e sobretudo, sustentável.
A verdade é que aplicar com base em impulso e sem estratégia raramente traz bons resultados. O verdadeiro investimento exige conhecimento, disciplina e visão de longo prazo — tudo o que nos leva a acreditar que Fátima ainda teria muito o que aprender.
Raquel Accioli – A investidora conservadora com visão de longo prazo
Raquel, a mãe batalhadora e íntegra, jamais colocaria sua segurança financeira em jogo. Com a mala em mãos, ela pensaria primeiro na filha, na estabilidade da família e em como preservar o capital com responsabilidade. É o retrato da investidora conservadora disciplinada.
Para esse perfil, a melhor escolha seria uma carteira conservadora, composta por ativos de baixo risco, como Tesouro IPCA+, Tesouro Selic e CDBs. Esse tipo de carteira ainda permite uma pequena diversificação internacional, mantendo a segurança como prioridade.
Raquel aplicaria os recursos em uma carteira conservadora equilibrada, elaborada com ativos de alta segurança e previsibilidade. Simulamos, então, a seguinte alocação para Raquel:
- Renda fixa pós fixada (70%): liquidez com estabilidade.
- Renda fixa inflação (17,5%): proteção contra inflação.
- Renda fixa global (2,5%): diversificação com segurança internacional
- Multimercados (5%): rendimento adicional com risco controlado.
- Renda variável global (2,5%): exposição internacional para diversificação
- Fundos Listados (2,5%): foco em renda passiva de fundos imobiliários
Rentabilidade esperada: CDI + 1% ao ano (considerando o CDI a 12%, o objetivo seria rentabilidade total de 13% ao ano)¹
O foco aqui não é o ganho acelerado, mas sim consistência e previsibilidade. Raquel aplicaria os recursos com cuidado, acompanhando o cenário macroeconômico e mantendo a tranquilidade mesmo diante de volatilidades de mercado. Para ela, patrimônio é construído com o tempo — e com firmeza.
Odete Roitman – A investidora estratégica e sofisticada
Elegante, poderosa e absolutamente calculista, Odete Roitman não entregaria a mala a ninguém. Ela colocaria o dinheiro para trabalhar a seu favor com sofisticação e ambição. Seu perfil é o da investidora arrojada, estratégica e informada, que sabe correr riscos — mas sempre com controle de suas escolhas.
A opção ideal seria uma carteira para o perfil de investidor sofisticado, que oferece uma combinação inteligente entre renda fixa de qualidade, fundos imobiliários (FIIs), fundos de investimento multimercado e ativos internacionais. Essa alocação busca retornos acima da média, com uma gestão profissional que privilegia análise macroeconômica e oportunidades táticas.
Assim, a alocação sugerida para carteira de Odete seria:
- Renda fixa pós fixada (15%): reserva de emergência e liquidez.
- Renda fixa inflação (32,5%): proteção contra inflação.
- Renda fixa prefixada (2,5%): rentabilidade previsível e segurança.
- Renda fixa global (2,5%): diversificação na renda fixa com exposição internacional
- Multimercados (12,5%): rendimento adicional com diversificação.
- Renda variável Brasil (15%): oportunidades sólidas do mercado brasileiro.
- Renda variável global (5%): diversificação de mercados na renda variável
- Fundos listados (8%): renda passiva com exposição em fundos imobiliários.
- Investimentos alternativos (7%): estratégia para buscar ganhos superiores via diversificação global.
Rentabilidade esperada: CDI + 3% ao ano (considerando o CDI a 12% ao ano, seria equivalente a rentabilidade total de 15% ao ano)¹
Para Odete, proteger o capital é importante, mas multiplicá-lo é essencial. Por isso, sua carteira foca em ativos que entregam desempenho com visão de longo prazo. Ela não apostaria em modismos — preferiria ativos sólidos, com fundamentos robustos, indicado por especialistas e com potencial de valorização.
Ivan Meireles – O investidor moderado e ético
Ivan sempre foi o contraponto ético em Vale Tudo. Sua busca por justiça e equilíbrio o coloca no perfil do investidor moderado racional — alguém que entende os riscos, mas age com consciência e estratégia.
No mercado financeiro, ele se identificaria com uma carteira moderada, que combina ativos de renda fixa com fundos multimercados, renda variável doméstica e exposição internacional, buscando a medida certa entre rentabilidade e segurança. A ideia aqui é construir uma carteira equilibrada, que preserve o patrimônio e ainda permita crescimento consistente ao longo do tempo.
Com a mala de 1 milhão de dólares, Ivan investiria em uma carteira moderada, que teria a alocação nas classes de ativos abaixo:
- Renda fixa pós fixada (35%): investimento com segurança e liquidez.
- Renda fixa inflação (27,5%): proteção contra inflação.
- Renda fixa prefixada (5%): rentabilidade e risco previsível.
- Renda fixa global (2,5%): diversificação na renda fixa com exposição internacional
- Multimercados (16,5%): controle de risco com possibilidade de ganhos a longo prazo.
- Renda variável Brasil (5%): rentabilidade e diversificação.
- Renda variável global (3,5%): proteção cambial e oportunidades no exterior
- Fundos listados (2%): renda passiva com exposição em fundos imobiliários.
- Investimentos alternativos (3%): estratégia para buscar ganhos superiores via diversificação global.
Rentabilidade esperada: CDI + 2% ao ano (considerando o CDI a 12% ao ano, seria rentabilidade total de 14% ao ano)¹
Ivan não abriria mão da diversificação. Ele aceitaria alguma volatilidade — desde que fundamentada. Seu foco seria construir um patrimônio sustentável, com integridade e bom senso, sem cair em promessas de lucros fáceis e rápidos.
Solange Duprat – A investidora em formação
Solange é curiosa, observadora e está dando os primeiros passos no mundo adulto — e também no universo financeiro. Representa o perfil iniciante, que valoriza segurança, quer aprender e precisa de orientação.
A escolha ideal seria uma carteira com exposição a fundos de investimento com gestão passiva, que permite ao investidor começar com boa diversificação e risco controlado. Um fundo passivo busca seguir um índice de mercado, investindo nos mesmos ativos e proporções do índice, proporcionando uma abordagem mais simples para os investidores – mas sem abrir mão dos retornos de longo prazo. A seleção pode incluir fundos de renda fixa, multimercados e internacionais, tudo de forma acessível e com exposição gradual ao risco.
Uma carteira composta por fundos passivos é ideal para quem busca:
- Fundos de renda fixa e inflação: estabilidade.
- Fundos multimercados e de ações: exposição gradual ao risco.
- Fundos internacionais: introdução ao universo global.
Com essa carteira, Solange aprenderia na prática os fundamentos da diversificação e da construção de patrimônio. Mais do que o retorno imediato, o valor está no aprendizado contínuo — algo essencial para formar bons investidores no futuro.
O que vale mais: sorte ou estratégia?
Na novela, a pergunta central era moral. No mundo dos investimentos, a pergunta central é estratégica: o que você faz com o que tem?
A mala de 1 milhão de dólares é uma metáfora poderosa. Ela pode representar uma herança, um bônus, ou o simples ato de começar a investir com mais consciência. O destino desse dinheiro — e o impacto que ele terá no futuro — depende menos da sorte e mais da forma como você escolhe investir.
Os personagens de Vale Tudo mostram que não existe uma única resposta certa, mas sim caminhos coerentes com cada perfil. Entender quem você é como investidor é o primeiro passo para tomar decisões melhores.