O Brasil ainda ocupa um lugar de destaque no radar de empresas internacionais. Com um mercado de mais de 200 milhões de consumidores, abundância de recursos naturais e setores em crescimento como tecnologia, agronegócio e infraestrutura, o país continua atraente. Mas, para quem deseja abrir uma empresa estrangeira por aqui, o processo pode se tornar um teste de paciência e persistência.
Segundo Antônio Queiroz, CEO da Queiroz & Venâncio Consultoria Contábil e especialista em contabilidade internacional, muitos empreendedores chegam entusiasmados e saem frustrados. “O Brasil tem um dos processos mais complexos do mundo quando se fala em abertura de empresas estrangeiras. O que começa com entusiasmo, muitas vezes acaba em desistência”, resume.
Como abrir uma empresa estrangeira no Brasil?
Empresas estrangeiras só podem operar no país após obterem autorização do Governo Federal. O processo passa por etapas obrigatórias:
1. Pedido de autorização no Portal Gov.br
É a etapa inicial e uma das mais sensíveis. A empresa deve apresentar um pacote de documentos — todos traduzidos, legalizados e validados conforme a legislação brasileira.
“Muitos empresários não imaginam o nível de detalhamento exigido. É diferente de simplesmente ‘abrir um CNPJ’. Estamos falando de autorizações do poder executivo e registros em diversas instâncias”, explica Queiroz.
Documentos exigidos incluem:
- Estatuto ou contrato social da matriz;
- Deliberação para atuar no Brasil;
- Nomeação de representante legal no país;
- Último balanço;
- Lista de sócios ou acionistas.
Após a análise do DREI, o pedido vai para o Secretário Especial da Micro e Pequena Empresa, que pode autorizar ou não o funcionamento.
2. Nomeação de representante legal
Para operar no Brasil, a empresa estrangeira precisa nomear um procurador residente no país — brasileiro ou estrangeiro com visto permanente.
“Essa figura será essencial para todas as movimentações no Brasil. Sem um representante legal, não há como avançar no processo”, reforça Queiroz.
3. Registro na Junta Comercial
Com a autorização publicada no Diário Oficial da União, o próximo passo é registrar os documentos na Junta Comercial do Estado onde a empresa vai operar. Isso formaliza o início das atividades no território nacional.
“Cada Junta Comercial tem suas peculiaridades, e é aí que muitos empresários se perdem. Não existe uma padronização nacional, o que torna o processo ainda mais complexo”, pontua Queiroz.
4. Solicitação de nacionalização (opcional)
Caso a empresa queira transferir sua sede global para o Brasil, um novo processo chamado nacionalização deve ser iniciado. A autorização prévia para funcionar continua sendo pré-requisito.
Os maiores desafios enfrentados por empresas estrangeiras
1. Burocracia em excesso
O Brasil ainda é um dos países mais burocráticos do mundo para negócios. Mesmo com a digitalização de muitos processos, a exigência documental e a falta de integração entre os órgãos criam gargalos.
“Já atendi empresas que tiveram que refazer traduções juramentadas ou revalidar documentos por erros mínimos de formatação”, comenta Queiroz. “Esses detalhes causam atrasos absurdos.”
2. Sistema tributário confuso e oneroso
Além da complexidade burocrática, há o desafio tributário. O Brasil tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo, aliada a um sistema descentralizado e difícil de compreender.
“Há empresários que levam meses para entender o que é ICMS, ISS, PIS, COFINS… E cada tributo desses tem regras diferentes por setor e por estado. É um emaranhado de siglas e obrigações”, observa Queiroz.
Mesmo assim, ele acredita que o mercado compensa. “O Brasil pode ser muito lucrativo, desde que você esteja bem assessorado e entenda os riscos.”
3. Carência de profissionais especializados
Há uma lacuna real entre o que o mercado exige e a especialização de quem presta serviços de contabilidade internacional no Brasil.
“Muitos contadores são excelentes no que fazem aqui, mas desconhecem os trâmites internacionais. E o mesmo vale para advogados que não entendem a lógica contábil brasileira. Essa desconexão prejudica todo o processo”, explica Queiroz.
Ele acrescenta que o contador, nesse caso, se torna quase um “intérprete legal e fiscal” entre dois mundos jurídicos distintos.
“Eu costumo dizer que nosso trabalho começa antes mesmo da empresa enviar os documentos. Ajudamos o empresário a prever cada obstáculo. Isso reduz riscos e acelera tudo”, conclui.
Por que tantas empresas desistem?
É comum que empresas internacionais iniciem o processo de entrada no Brasil e o abandonem no meio do caminho.
“A maioria desiste quando percebe que, além da documentação e da carga tributária, terá que lidar com prazos imprevisíveis e exigências que mudam de estado para estado”, diz Queiroz.
Um exemplo frequente, segundo ele, é o desconhecimento sobre registros no Banco Central para entrada de capital estrangeiro. “Sem isso, o investimento não pode entrar legalmente. Mas pouca gente sabe disso até ser tarde demais.”
Apesar de todos os obstáculos, o Brasil continua sendo uma das maiores apostas da América Latina, especialmente para setores como:
- Agronegócio
- Energia renovável
- Tecnologia
- Indústria automotiva e metalurgia
“Quem entende o jogo e se cerca das pessoas certas, tem muito a ganhar aqui”, afirma Queiroz. “Mas é preciso paciência, visão de longo prazo e estratégia. O Brasil não é para amadores.”
O Brasil é um mercado repleto de oportunidades, mas exige preparo. Conhecimento jurídico, contábil e cultural é essencial. Mais do que um país para explorar, é um país para construir relações de longo prazo. “Se o empresário entende que o Brasil não é um sprint, mas uma maratona, ele tem grandes chances de sucesso”, finaliza Antônio Queiroz.