Governos devem agir agora para garantir implementação do método e evitar que elas sejam deixadas para trás na luta contra esta doença mortal
Médicos Sem Fronteiras (MSF) apresentará nesta semana novos dados mostrando que os algoritmos de decisão clínica recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) podem quase dobrar o número de crianças que conseguem iniciar tratamento de tuberculose, mesmo em locais sem exames laboratoriais disponíveis. As conclusões serão divulgadas durante a Conferência Mundial sobre Saúde Pulmonar e reforçam o potencial da metodologia para ampliar drasticamente o acesso ao cuidado em contextos com poucos recursos.
A urgência é grande: estima-se que 1,2 milhão de crianças e adolescentes com menos de 15 anos tenham adoecido de tuberculose em 2024. Embora seja uma doença curável, a TB infantil frequentemente não é diagnosticada porque os testes disponíveis foram projetados para adultos e têm baixa sensibilidade em crianças. Além disso, a maioria dos exames exige amostras de escarro – difíceis de obter nessa faixa etária – e, mesmo quando coletadas, a baixa carga bacteriana costuma impedir a detecção laboratorial.
O Relatório Global sobre Tuberculose da OMS, publicado na semana passada, revelou que cerca de 43% das crianças com tuberculose não foram diagnosticadas em 2024, permanecendo sem acesso ao tratamento que poderia salvar suas vidas. Por isso, MSF reforça o apelo para que governos adotem as recomendações da OMS em suas diretrizes nacionais e garantam a implementação da metodologia, permitindo que mais crianças tenham acesso ao diagnóstico e ao tratamento que salva vidas.
O estudo Testar, Prevenir, Curar a tuberculose em crianças (TACTiC, na sigla em inglês) de MSF avaliou os algoritmos da OMS em 1.846 crianças menores de 10 anos com sintomas sugestivos de tuberculose pulmonar entre agosto de 2023 e outubro de 2025 em cinco países: Uganda, Níger, Nigéria, Guiné e Sudão do Sul, incluindo crianças com desnutrição aguda grave e crianças vivendo com HIV. Os dados de MSF mostraram que os algoritmos da OMS identificaram corretamente a maioria dos casos de tuberculose e, em média, duplicaram a proporção de crianças que podem iniciar o tratamento contra doença.
As conclusões de MSF mostraram que a introdução dos algoritmos da OMS não apenas apoia os profissionais de saúde no diagnóstico da tuberculose em crianças, como também é viável de ser utilizado. A metodologia ainda aumenta a satisfação dos pais em relação aos cuidados oportunos que seus filhos receberam para a doença. “Antes, os profissionais de saúde se baseavam principalmente na tosse e, se a criança não tossisse, muitas vezes concluíam que ela não tinha tuberculose”, explica a Dra. Angeline Dore, ponto focal do projeto TACTiC na Guiné. “Os algoritmos da OMS agora mostram que não devemos depender apenas da tosse, pois existem outros sinais importantes da doença”.
Em 2022, a OMS revisou suas orientações para o diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose em crianças, a fim de se alinhar com as evidências científicas mais recentes. Entre várias atualizações importantes, as novas diretrizes da OMS recomendam o uso de algoritmos de decisão de tratamento para o diagnóstico de tuberculose em crianças em ambientes com e sem acesso a aparelhos de raios-X.
No entanto, apesar das recomendações da OMS, muitos países ainda não adotaram esses algoritmos em suas diretrizes nacionais nem facilitaram sua implementação em unidades de saúde. “Muitas crianças com tuberculose ainda estão passando despercebidas devido à falta de ferramentas de diagnóstico eficazes”, relata Helena Huerga, pesquisadora do estudo TACTiC conduzido por MSF. “Nossas descobertas comprovam que os algoritmos de decisão de tratamento da OMS, para os quais não precisamos de resultados de exames laboratoriais para iniciar o tratamento da tuberculose em crianças, funcionam em contextos reais e podem salvar a vida de muito mais crianças se forem implementados. A ciência é clara – o que falta agora é a vontade política para colocar a metodologia em prática”.
Com os recentes cortes no financiamento da ajuda humanitária global, que ameaçam ampliar as lacunas na identificação e no tratamento de pessoas com tuberculose, MSF apela aos países e às partes interessadas, incluindo doadores internacionais, para que intensifiquem os esforços e garantam um financiamento sustentado para o tratamento da doença para todos, especialmente crianças pequenas, que já enfrentam as maiores lacunas no acesso ao tratamento da tuberculose. “Além da adoção e implementação oportuna dos algoritmos da OMS, os formuladores de políticas, doadores e implementadores também devem antecipar e planejar um aumento no fornecimento de medicamentos necessários para tratar crianças, a fim de garantir que todas as crianças diagnosticadas com tuberculose possam ter acesso ao tratamento sem demora”, alerta Daniel Martinez Garcia, líder do projeto TACTiC de MSF.
Informações relevantes:
- O projeto Testar, Prevenir, Curar a Tuberculose em Crianças (TACTiC, na sigla em inglês) é uma iniciativa de Médicos Sem Fronteiras (MSF) voltada a inovação dos cuidados de saúde prestados a crianças com a doença. O estudo busca implementar as recomendações mais recentes da OMS, gerar evidências sobre sua eficácia, viabilidade e aceitabilidade, além de defender sua adoção em níveis global e nacional.
- O projeto abrange 12 países com alta incidência de tuberculose e onde MSF presta cuidados de saúde a crianças com a doença: Afeganistão, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Guiné, Moçambique, Níger, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Somália, Sudão do Sul e Uganda.
- No âmbito do TACTiC, foi realizado o estudo de investigação TB ALGO PED, que avaliou o desempenho do diagnóstico, o impacto, a viabilidade e a aceitabilidade da implementação dos algoritmos de decisão terapêutica da OMS para tuberculose pulmonar em crianças com menos de 10 anos.
