Ferramentas automatizadas mudam triagem de currículos e exigem adaptação; especialista alerta riscos e indica caminhos para profissionais se destacarem
A inteligência artificial (IA) está transformando o mercado de trabalho — e, silenciosamente, também a forma como candidatos são selecionados. Em vez de apenas analisar currículos no Word, empresas passaram a empregar algoritmos para identificar talentos, cruzar dados e acelerar contratações. Para quem busca recolocação, isso significa adaptar-se a um processo mais ágil, impessoal e digital — sob o risco de simplesmente não ser encontrado.
“Hoje, enquanto alguns ainda atualizam seus currículos manualmente, outros já estão sendo contratados por algoritmos”, afirma Virgilio Marques dos Santos, gestor de carreiras, PhD pela Unicamp e sócio-fundador da FM2S, startup de educação e consultoria sediada no Parque Científico e Tecnológico da Unicamp. “A recolocação profissional não é mais só sobre competência — é sobre visibilidade e contexto”.
Sistemas como o LinkedIn Recruiter e os ATS (Applicant Tracking Systems) são hoje comuns em grandes processos seletivos. Essas ferramentas automatizam a triagem inicial, buscando palavras-chave em currículos, comparando perfis com bancos de dados e até avaliando entonações em entrevistas por vídeo. “A IA não é mágica. É estatística. Se alimentamos o sistema com dados enviesados, ele reproduz o viés”, explica Santos. “Ela é tão justa quanto os dados que recebe”.
A crítica tem fundamento. Estudo da Universidade de Harvard já apontou que algoritmos podem perpetuar desigualdades ao repetir padrões históricos de contratação — como a preferência por homens brancos formados em universidades específicas. No Brasil, a questão ganha contornos mais específicos. Entre trabalhadores com mais de 60 anos, por exemplo, a taxa de desemprego é menor que a média nacional, mas a recolocação costuma ser mais lenta e desigual. “Muitos profissionais experientes enfrentam uma barreira invisível: não dominam as plataformas digitais, e a IA nem sabe que eles existem“, observa Santos.
Apesar das limitações, ele enxerga a tecnologia como aliada — desde que usada com estratégia. Ferramentas com IA generativa, como o ChatGPT, ajudam a reescrever currículos, simular entrevistas e sugerir caminhos de transição com base no histórico profissional. “Mas é preciso entender como os sistemas funcionam. Não precisa ser um programador, mas saber usar as palavras e técnicas assertivas pode salvar um currículo do limbo digital”.
Para se destacar, o especialista sugere quatro passos: conhecer o funcionamento das ferramentas de recrutamento, manter o LinkedIn atualizado e ativo, explorar o apoio da IA para planejamento de carreira e, sobretudo, cultivar o contato humano. “A IA não substitui o networking. Ela valoriza ainda mais quem sabe se conectar. O algoritmo pode até identificar seu perfil, mas quem vai defendê-lo dentro da empresa é uma pessoa real”.
O futuro, avalia Santos, será híbrido: triagens cada vez mais automatizadas e decisões finais ainda humanas, mas mais seletivas. A velocidade dos processos vai aumentar — e com ela, a exigência por visibilidade. “Como alertou Peter Drucker, um dos principais pensadores da administração moderna, ‘o maior perigo em tempos de mudança não é a mudança em si, mas agir com a lógica de ontem’. Quem quiser voltar ao mercado precisa entender a lógica de agora — e ela já fala em código binário”.