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Lucros recordes na saúde suplementar: até que ponto o mercado está diante de uma ilusão de eficiência?

Foto: Freepik
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Análise feita por Murilo Wadt, cofundador e diretor-geral da HealthBit*

Os números divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre o desempenho das operadoras de planos de saúde no primeiro semestre de 2025 impressionam. O setor alcançou R$ 189 bilhões em receitas e registrou um lucro líquido recorde de R$ 12,9 bilhões, com margem líquida próxima de 7%.

À primeira vista, trata-se de uma demonstração de robustez. Mas, como em todo balanço expressivo, a pergunta que importa não é “quanto se lucrou”, mas de onde veio esse lucro.

O peso do resultado financeiro

Mais da metade do lucro do setor, R$ 6,8 bilhões, não se originou na operação de assistência à saúde, mas sim no resultado financeiro. Com um caixa acumulado em torno de R$ 130 bilhões, as operadoras aproveitaram o cenário de juros elevados e obtiveram ganhos expressivos em aplicações financeiras, especialmente em títulos públicos e fundos de renda fixa.

Esse dado é crucial. Ele mostra que a saúde suplementar, em 2025, está tão ou mais dependente do ciclo de política monetária do Banco Central do que da sua própria eficiência assistencial. Se a Selic cair alguns pontos percentuais nos próximos trimestres, a rentabilidade líquida do setor pode encolher de forma significativa, mesmo que a operação continue controlada.

A sinistralidade em queda: eficiência ou defasagem?

No campo operacional, houve melhora. A sinistralidade caiu para 81,1%, menor índice para um primeiro semestre desde 2018 (com exceção do atípico 2020, marcado pela pandemia). Isso significa que, de cada R$ 100 arrecadados, R$ 81 foram gastos com consultas, exames, internações e outros serviços de saúde.

Mas a redução não decorre apenas de ganhos de eficiência. Há, sobretudo, três fatores determinantes:

  1. Reajustes de mensalidades: em 2025, os aumentos autorizados pela ANS e, principalmente, os praticados nos planos coletivos, foram robustos. Isso incrementou a receita em ritmo mais acelerado que as despesas.
  2. Gestão de custos: maior verticalização da rede, protocolos clínicos mais rígidos e negociação dura com hospitais contribuíram para reduzir a despesa assistencial.
  3. Efeito de defasagem: parte das despesas médicas leva meses para ser registrada. Em períodos de forte reajuste, a receita aparece primeiro; a despesa tende a se manifestar adiante, o que pode inflar o resultado de curto prazo.

Teste de estresse: um lucro vulnerável

A robustez do resultado operacional merece uma nota de cautela. O setor reportou R$ 6,3 bilhões de resultado operacional. Cálculos apontam que um leve aumento na sinistralidade, o que é plausível diante da inflação médica, reduziria muito esse resultado. Ou seja, a sustentabilidade do lucro depende de uma linha extremamente fina entre o que se arrecada e o que se gasta.

Essa fragilidade é ainda mais evidente entre as operadoras de pequeno porte, cujo desempenho revela um lucro sustentado quase integralmente por ganhos financeiros. No primeiro semestre de 2025, essas empresas tiveram resultado operacional negativo de R$ 159 milhões, revertido apenas por um expressivo resultado financeiro de R$ 900 milhões e um resultado patrimonial de R$ 232,9 milhões.

Em outras palavras, o lucro líquido de R$ 778 milhões veio apesar da operação assistencial, e não por causa dela. Essa dependência do rendimento das aplicações, e não da eficiência do negócio principal, torna o grupo das pequenas operadoras altamente vulnerável à queda dos juros e a variações na sinistralidade, expondo o quanto o lucro do setor ainda está mais atrelado ao contexto macroeconômico do que à sustentabilidade estrutural da saúde suplementar.

O que está em jogo

O quadro que emerge é o de um setor lucrativo, mas vulnerável. Vulnerável à política monetária, que pode reduzir os ganhos financeiros, e vulnerável à pressão inflacionária dos custos médicos, que pode corroer rapidamente o resultado operacional.

Para os contratantes de planos corporativos, a mensagem é clara: não basta negociar preço. É fundamental discutir modelos de gestão de saúde que garantam previsibilidade de custos e eficiência no longo prazo. Para as operadoras, a escolha é igualmente estratégica: investir agora em eficiência assistencial, enquanto os juros ainda sustentam parte do lucro, ou correr o risco de ver margens comprimidas quando o ciclo monetário mudar.

Um debate necessário

O desempenho do setor em 2025 não deve ser lido apenas como sinal de força, mas também como alerta. O lucro recorde é, em grande parte, produto de circunstâncias financeiras e de um ciclo de reajustes tarifários. A verdadeira prova de solidez virá quando esses ventos conjunturais perderem força.

Em saúde, eficiência não é apenas uma meta, é a condição para a sustentabilidade. Só com uma gestão equilibrada de recursos, e não com aumentos sucessivos de receita, será possível garantir qualidade assistencial de forma duradoura.

Cabe aos reguladores, às empresas e à sociedade questionar: até que ponto estamos diante de uma gestão mais eficiente da saúde ou somente surfando a maré favorável dos juros altos?

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